São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Pianistas apostam em repertórios esquecidos

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Parece que faz muito tempo, mas foi só em 1982 que as indústrias Philips e Sony, trabalhando juntas, lançaram comercialmente os primeiros CDs, produzidos com a tecnologia de gravação digital. Em dois ou três anos, os LPs já tinham saído de linha. E em 1990 o número de obras oferecidas em CD já era o maior da história.
Mas como faz o artista pouco conhecido para entrar na competição contra um Horowitz, Brendel, ou Placido Domingo? O que, ou por que gravar, uma vez que o grande repertório já está virtualmente esgotado por várias interpretações dos maiores nomes? Uma resposta são os CDs que vêm surgindo, com maior frequência, por novos talentos explorando as margens do repertório.
Aquilo que os maiores não gravam –preciosidades e curiosidades escondidas da história da música agora estão aí, ao nosso alcance, graças a uma geração de músicos que ainda não firmaram um nome internacional, mas vão construindo a carreira para uma platéia doméstica espalhada pelo mundo.
Um bom exemplo é o pianista brasileiro Marcelo Bratke, que acaba de lançar um novo CD, com composições de Villa-Lobos (pelo selo inglês Olympia). É o seu terceiro disco: o primeiro reunia obras de Berg, Webern e as poucas conhecidas sonatas de Ernst Krenck, e o segundo contrapôs as "Saudades do Brasil" de Milhaud com tangos de Ernesto Nazareth.
Ele agora se volta para a "música das crianças" de Villa-Lobos, começando com a stravinskiana "Caixinha de Música Quebrada" e a "Prole do Bebê", nº 1, que é quase uma homenagem a Debussy. Menos conhecidas são as "Cirandinhas", de 1925, arranjos livres e harmonicamente charmosos de cantigas de roda. E menos conhecidas ainda são as peças do "Carnaval das Crianças", de 1925, que incluem a apoteótica "Folia" para piano a quatro mãos. É o Villa-Lobos francês, que é o melhor Villa-Lobos.
O CD já valeria, então, só pelo repertório e Marcelo Bratke nem precisaria tocar tão bem. Mas toca –com influência e naturalidade, e sem esconder as semi-colcheias.
Outro bom pianista é o americano Aleck Karis, que também chega ao terceiro CD solo, com dez peças para piano de Stravinski (Bridge Records). Professor na universidade de San Diego e pianista do Speculum Musicae, um grupo importante de música contemporânea, Karis é um virtuoso nas asas da musicologia.
Seu primeiro CD (com as "Night Fantasies" de Eliott Carter e o "Carnaval" de Schumann) foi indicado para melhor disco do ano pela revista Opus; e é um verdadeiro presente ter, agora, essas peças todas de Stravinski, desde os "Três Movimentos de Petrouchka", já gravados por Pollini, até o sedutor "Tango"; e o "Ragtime", e incluindo raridades: a "Sonata", os "Cinco Dedos", a "Serenata".
Aluno do professor brasileiro (radicado em Nova York) William Daghlian, Aleck Karis é o melhor exemplo do que podem os bons músicos hoje, num espaço tão superpovoado e impossivelmente competitivo como o da música clássica. Podem conquistar um espaço para si, à custa não só da sensibilidade e dos dedos, mas do pensamento, e da audácia para nos mostrar o que os outros não estão tocando.

Disco: A Prole do Bebê e outras peças
Compositor: Heitor Villa-Lobos
Intérprete: Marcelo Bratke (piano)
Gravadora: Olympia

Disco: Music for Piano (1911-1942)
Compositor: Igor Stravinsky
Intérprete: Aleek Karis (piano)
Gravadora: Bridge Records
Quanto: R$ 20,00 (o CD, em média)

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