São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Felipe González perde aliados na mídia

ELIZABETH NASH
DO "THE INDEPENDENT", EM MADRI

O diário espanhol "El País", tradicionalmente partidário do governo socialista, lançou sexta-feira em sua primeira página um ataque sem precedentes ao primeiro-ministro Felipe González.
Embora sem chegar a pedir sua renúncia, o jornal declarou que a longa hegemonia exercida pelo premiê na política espanhola acabou e pediu que o chefe do governo se submeta a um voto de confiança no Parlamento.
González se viu encurralado pelo papel supostamente desempenhado por seu governo na "guerra suja" movida nos anos 80 contra a organização separatista basca ETA (Euskadi Ta Akatasuna, ou Pátria Basca e Liberdade).
O editorial do "El País", intitulado "O fim de uma era", afirmou que "a agonia mortal de mais de uma década do governo socialista parece inevitável e ameaça tornar-se uma agonia mortal para todo o país".
A deserção do mais influente jornal da Espanha é um golpe para o governo. Fundado em 1976, seis meses após a morte do ditador Francisco Franco, o "El País" marchou ombro aombro com o Partido Socialista dos Trabalhadores Espanhóis (PSOE) ao registrar, analisar e virtualmente simbolizar a transição pacífica para a democracia.
O jornal retratava os então jovens dirigentes socialistas como heróis. Seu principal cartunista, Peridis, desenhou um enérgico González balançando os pilares do establishment com uma rosa vermelha na mão.
Na edição de sexta-feira, Perides retratou o primeiro-ministro como pilar do "establishment", sustentado por seu parceiro na coalizão governista, o autonomista catalão Jordi Pujol, e abalado por empurrões de José María Aznar, do direitista Partido Popular.
Quando o PSOE chegou ao poder, em 1982, "El País" apoiou um governo que implementava as políticas que o jornal vinha defendendo. Mas, à medida que o brilho de Felipe González se apagava, outros diários, particularmente o oposicionista "El Mundo", passaram a batê-lo em agressividade.
"El Mundo" foi o jornal que publicou os testemunhos de dois ex-policiais que acusam o governo socialista de ter dado dinheiro entre 1983 e 1987 para o esquadrão da morte conhecido como GAL (Grupo Antiterrorista de Libertação), acusado de ter assassinado 27 ativistas da ETA.
Pelo menos US$ milhão teria sido desviado para o GAL através do Ministério do Interior com o conhecimento das autoridades, dizem as denúncias.
O juiz Baltasar Garzón abriu uma investigação e ordenou a prisão de dois ex-secretários de Segurança do Ministério do Interior.
González negou que soubesse de qualquer envolvimento do governo e iniciou um processo judicial por calúnia contra Jorge Amedo, um dos ex-policiais denunciantes. Omedo cumpre pena de 108 anos de prisão por crimes cometidos quanto integrava o GAL.
O chefe do governo recusou-se a ceder à exigência da oposição conservadora pela convocação de eleições antecipadas. Mas o editorial do "El País" conclamou o primeiro-ministro a abrir um debate sobre o caso no Parlamento.
Pesquisa do "El País" publicada no meio da semana passada indica que 52% dos espanhóis não acreditaram nas negativas de González e 49% se disseram favoráveis a eleições antecipadas.
Levantamento semelhante do "El Mundo" mostrou que para 50,8% dos entrevistados o governo sabia da participação de policiais no GAL, mas apenas 35,7% disseram acreditar que o premiê tinha conhecimento do grupo.
A esse escândalo somou-se também na sexta-feira o anúncio, pelo ministro da Economia, Pedro Solbes, de um pacote de medidas para cortar os gastos do governo.
A inflação espanhola em 1994, divulgada no mesmo dia, chegou a 4,3%, um pouco mais do que a do ano anterior.

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