São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A lição mexicana

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

São muitas as lições que se podem tirar da crise do peso mexicano, algumas óbvias, como a de que uma política de sustentação artificial da taxa de câmbio é inviável a médio prazo, outras ideológicas, como aquela que vê na desvalorização traumática ocorrida no México um sinal da inviabilidade de políticas neoliberais.
Prefiro, entretanto, explicar essa crise como resultante de uma política de "confidence building" por parte das autoridades mexicanas durante o governo Salinas, em lugar de uma política voltada para o equilíbrio macroeconômico e a defesa do interesse nacional.
Nos anos 50, a clivagem ideológica básica era aquela que separava os nacionalistas dos internacionalistas. Esta dicotomia perdeu sentido na medida em que o nacional-desenvolvimentismo sofreu crescentes distorções populistas e esgotou sua capacidade de oferecer uma explicação para o subdesenvolvimento do país e uma estratégia efetiva de promover o desenvolvimento.
Em seu lugar, em termos internacionais, surgiu a moderna concepção do interesse nacional, examinado caso a caso, pragmaticamente. Já não se pressupõe na América Latina que cada país seja rodeado por potências imperialistas com as quais não teria capacidade de negociar, mas não se admite a alternativa internacionalista de uma ampla coincidência de interesses com o mundo desenvolvido.
Existem interesses comuns, mas existem também interesses conflitantes –como foi o da dívida externa– que precisam ser negociados de acordo com o critério do interesse nacional.
Entretanto, da mesma forma que o velho nacionalismo continua a sobreviver misturado ao estatismo, o velho internacionalismo entreguista está mais vivo do que nunca. Mudou apenas de nome e de forma de justificar-se. Tudo agora gira em torno da idéia de "confidence building", da construção da confiança internacional a qualquer preço.
O "confidence builder" só se preocupa com o interesse nacional em segunda instância. Em primeira instância o que ele quer é agradar o Primeiro Mundo, é obter a confiança dos investidores estrangeiros. É lograr "credibilidade", é criar expectativas positivas para o país. Atingido esse objetivo, ele supõe que o interesse nacional estará automaticamente alcançado.
A política do confidence building (vou manter propositalmente a expressão em inglês e sem aspas) consiste em adotar todas as recomendações vindas de Washington e de Nova York –ou seja, do governo norte-americano e dos bancos internacionais– para lograr maior confiança dos investidores internacionais, ainda que à custa dos interesses nacionais, e em substituição de um equilíbrio macroeconômico real.
Não há, obviamente, nada de errado na busca de construção de confiança internacional. Mas essa estratégia transforma-se em confidence building quando, em nome dela, se sacrificam os interesses nacionais reais, ou quando ela se apresenta como substituta do ajuste fiscal e da taxa de câmbio realista.
O equilíbrio macroeconômico é também um objetivo de Washington e Nova York, por isso pode parecer paradoxal esta última troca. Muito frequentemente, porém, é possível, pelo menos no curto prazo, substituí-lo por gestos mais gerais, com forte sabor ideológico, como assinar um acordo da dívida externa lesivo aos interesses do país e engajar-se em amplo programa de privatização.
Por outro lado, uma desvalorização da taxa de câmbio sempre reduz a confiança a nível internacional. A tentação de manter a taxa de câmbio nominalmente fixa apesar da inflação é muito grande quando um país está engajado na política do confidence building.
Já a contradição entre a defesa dos interesses nacionais e a política de confidence building não tem nada de surpreendente. É evidente que nem sempre os interesses nacionais coincidem com a visão do Primeiro Mundo a respeito do que devemos fazer.
Ora, nenhum outro país se engajou mais decididamente na política do confidence building do que o México do presidente Carlos Salinas de Gortari. Sua prática do confidence building iniciou-se em 1989, quando da negociação da dívida externa.
Em fevereiro desse ano foi anunciado o Plano Brady, que permitia a redução (via securitização) da dívida, e o relativo desvinculamento, no processo de negociação, entre os bancos comerciais e o FMI.
Estas duas diretrizes representavam um grande avanço da parte de Washington, mas estava claro, também, que a redução prevista no Plano Brady era limitada, insuficiente. Não obstante, em um tempo recorde, seis meses depois, em agosto desse mesmo ano, já estava o México assinando a minuta ("term sheet") do seu acordo com os credores externos.
O acordo com os credores foi contrário ao interesse nacional do México. A redução alcançada da dívida, pífia. Na verdade, se considerarmos a posterior queda da taxa de juros internacional, foi nula. Não obstante, o acordo foi justificado pelo governo porque "construía confiança internacional", e, assim, permitia, de um lado, a queda da taxa de juros interna e o "spread" (taxa de juros adicional à libor) paga pelo México nos seus financiamentos comerciais externos, e de outro, porque promovia o fluxo de investimentos para o México.
Em seguida, continuou-se sistematicamente com a política de confidence building, apoiada principalmente em uma taxa de câmbio crescentemente valorizada. A estabilização fora conseguida de forma competente pelo presidente De la Madrid, em dezembro de 1987, através de um congelamento de preços e de uma âncora cambial.
A taxa de inflação reduziu-se violentamente, mas restou uma inflação residual que o governo decidiu combater com o atraso cambial. Em pouco tempo o país entrou em déficit na conta corrente e na própria balança comercial. Em 1994 seu déficit em conta corrente já alcançava 6% do PIB.
Para financiar esse déficit, o México contou com um enorme fluxo de capitais. Que vinha para o México menos em função da confiança despertada e mais em função do diferencial de taxa de juros. Mas havia também alguma confiança, já que os banqueiros, apesar da gravidade de seus trajes escuros, não resistem à perspectiva de lucros elevados em passivos arriscados.
O setor financeiro é por definição especulativo e volátil. Por essa razão o sistema financeiro internacional manteve a confiança no México enquanto lhe foi possível. Mas manteve uma confiança cautelosa. Não apenas por causa da revolta de Chiapas, mas principalmente porque percebia que o México não se desenvolvia, não obstante o brutal fluxo de capitais externos.
E por que não se desenvolvia? Por que as taxas de crescimento do PIB foram sistematicamente baixas nos últimos anos? Fundamentalmente porque os empresários locais e as empresas multinacionais limitavam seus investimentos, seja porque não previam demanda para os bens a serem produzidos devido à excessiva abertura que a taxa de câmbio valorizada potencializava, seja porque percebiam a debilidade do equilíbrio macroeconômico.
Os "investimentos" externos continuavam, sem dúvida, elevados, mas eram principalmente aplicações de "hot money", sem relação com o investimento propriamente dito em aumento da capacidade produtiva. Na verdade, as entradas de capitais eram utilizadas para o consumo e para o pagamento pesadíssimo do serviço da dívida externa, ao invés de financiar investimentos.
Como o México verificou, a política do confidence building tem pernas curtas. Há algum tempo essa confiança vinha sendo erodida. A assinatura do acordo do Nafta lhe garantiu uma sobrevida. Mas em dezembro a confiança esgotou-se, abrindo tempos turbulentos para o novo presidente mexicano.
Resta, agora, esperar que a desvalorização do peso mexicano seja real, e que o México consiga, a partir daí, construir seu desenvolvimento a partir de bases mais sólidas e mais de acordo com seus interesses reais.

Texto Anterior: CONTRA A VIDA; A FAVOR DA VIDA; FUTEBOL SEM RAÇA
Próximo Texto: As ONGs e a democracia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.