São Paulo, terça-feira, 17 de janeiro de 1995
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Cinema chinês enfrenta caos interno

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

O sucesso do cinema chinês no exterior, embalado por diversos prêmios em festivais, contrasta com o caos da indústria cinematográfica em casa.
Encolhem os investimentos estatais, despenca a venda de ingressos, cinemas fecham e, pior, os melhores filmes nacionais continuam proibidos pela lista negra do Partido Comunista.
No ano passado, o governo adotou a estratégia de importar anualmente "dez filmes modernos de excelente qualidade", tentativa de aplicar uma injeção de ânimo em uma opção de lazer que perde na concorrência para a televisão e karaokês.
Em 1993, a China, no turbilhão de sua revolução capitalista, testemunhou o fechamento de 50 mil salas de exibição, cerca de um quarto do que existia.
O cardápio também se mostra pouco atraente. Prevalecem nas telas produções nacionais, abençoadas pelo PC e ideologicamente viciadas, ou filmes importados, de orçamentos baratos e qualidade duvidosa.
As principais bilheterias do Ocidente só costumam chegar a Pequim sete ou oito anos depois de sua estréia. Alguns sucessos históricos, como "Guerra nas Estrelas" ou "Os Caçadores da Arca Perdida", nunca conquistaram as telas chinesas.
Para a estréia do projeto "dez melhores", o Ministério do Rádio, Cinema e Televisão decidiu trazer em novembro passado "O Fugitivo", com Harrison Ford. A fórmula de recorrer a produções estrangeiras recebeu críticas das principais distribuidoras chinesas.
"A nossa indústria cinematográfica passa por uma profunda reforma e reestruturação", diz Bai Andan, presidente da estatal Beijing Film Distribution Co.
"Portanto, devíamos proporcionar aos nossos estúdios tempo para se adaptarem e se tornarem mais competitivos antes de irmos adiante com importados de alta qualidade", afirma Andan.
O Shanghai Film Studio ilustra o papel de um órfão que perdeu a ajuda governamental. Para este ano, planeja rodar 15 filmes, e os diretores saíram à caça de financiamento: cinco conseguiram empréstimos junto a novas companhias de TV, três arrancaram recursos do próprio estúdio e o resto continua navegando em busca de uma saída.

Censura
Os diretores mais talentosos, como a trinca formada por Tian Zhuangzhuang, Zhang Yimou e Chen Kaige, costumam recorrer a parceiros estrangeiros, em especial de Hong Kong, Taiwan e Japão. Mas esse vôo independente pode significar o banimento do filme das telas chinesas ou uma longa espera pelo sinal verde do Ministério de Rádio, Cinema e Televisão.
"O Sonho Azul", de Tian, premiado no Festival Internacional de Cinema de Tóquio em 1993, continua restrito aos corredores dos ministérios chineses. Segundo os censores, o filme apresenta um "retrato muito negativo" da era em que Mao Tsé-Tung governou o país (1949-1976).
"Tempos de Viver", de Zhang Yimou, deixou a China sem autorização do governo para participar do Festival de Cannes no ano passado. Ganhou dois prêmios e a ira de autoridades chinesas, que acusam o cineasta de sempre "mostrar em excesso os aspectos negativos da antiga sociedade feudal chinesa" e de "fazer o país parecer mais pobre".
Enquanto "Tempos de Viver" continua arquivado pela censura em Pequim, sem poder contar a história de uma família chinesa nos anos 40, 50 e 60, outro trabalho de Zhang Yimou, "Lanternas Vermelhas", já carrega o carimbo "filme liberado".
"Lanternas Vermelhas" fez sucesso no Ocidente em 1991, ao contar a história de um proprietário rural e suas concubinas, na década de 20. Mas apenas em 1993 o filme apareceu nas telas chinesas.

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