São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 1995
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Camurati recupera passado sem glamour

'Carlota Joaquina' conta odisséia da família real no Brasil

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

Um rei glutão, aparvalhado, covarde, bondoso e com lampejos de esperteza política. Uma rainha meio ninfomaníaca, possessiva, estourada, que de infanta dos Bourbons espanhóis torna-se soberana de uma terra exótica e hostil, além-mar, o Brasil colônia de Portugal.
Estes personagens –D. João 6º (Marco Nanini) e sua mulher, Carlota Joaquina (Marieta Severo)– foram os escolhidos pela diretora Carla Camurati, 34, para contar a sua versão de um período ímpar da história do Brasil no filme "Carlota Joaquina - Pincesa do Brazil".
O período –1785 a 1821– envolve desde a partida da ainda infanta Carlota da Espanha para se casar com D. João em Portugal, percorre toda a aventura da família real refugiada no Brasil para escapar de Napoleão e termina com sua volta à Península Ibérica.
O filme –que contou com o apoio de seis empresas patrocinadoras e consumiu cerca de R$ 540 mil– obtém êxito de bilheteria no Rio. Está em cartaz desde 6 de janeiro e já foi visto por quase 25 mil pessoas.
A decisão da diretora de filmar a odisséia da família real no Brasil surgiu de uma outra decisão sua, que era a de realizar um filme sobre a história do país.
"Ao estudar a história do Brasil me detive na família real principalmente porque aquele foi um momento de grandes transformações. A monarquia em colapso na Europa, o liberalismo surgindo, o Brasil absorvendo um sistema que estava se despedaçando."
Embora provoque risos ao longo da projeção, Camurati não concorda que seu filme seja uma comédia. "A história é que é engraçada. É tanto absurdo junto que a pura reprodução da realidade provoca o riso. Ainda mais que as coisas são vistas do ponto de vista de uma menina de 10 anos, para quem a história do Brasil é contada."
A intenção declarada da diretora em seu primeiro longa –anteriormente dirigiu dois curtas– é a de provocar a fantasia do espectador. "Todos os fatos narrados são reais, mas ali está a minha visão da história. Se fosse uma abordagem totalmente realista seria muito mais cruel com os personagens."
O filme explora bastante isso e Carla explica por que: "A imagem que se tem é falsa. Veja, a corte portuguesa demorou muito para usar talheres, por exemplo. Por que precisamos endeusar o nosso passado? Por que precisamos que Tiradentes pareça com Cristo? Os defeitos de nosso passado não impedem nossas qualidades. Acredito até que nossos defeitos sejam nossas qualidades."
Assim é que Carla não poupou recursos dramáticos para mostrar D. João 6º (Marco Nanini) como suas pesquisas históricas demonstraram que ele era: um homem covarde, desconfiado, glutão, admirador da natureza e também com uma boa dose de sabedoria –diante de um impasse político, ele recomenda a seus ministros: "Quando não sabemos o que fazer, o melhor é não fazer nada".
Carlota Joaquina, por sua vez, unia o apetite sexual voraz com a insegurança, a ambição com o medo, o amor descontrolado com um nacionalismo fiel.
Aos que acham que o filme resvala na caricatura e exagera ao retratar comportamentos da época, Carla avisa: "Deixei de fora coisas mais desagradáveis. Como o fato de as casas da época terem o vaso sanitário no meio da sala ou o de D. João andar com os bolsos cheios de coxas de frango..."

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