São Paulo, sábado, 21 de janeiro de 1995
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Procurar brasileiros é difícil

EDSON XAVIER
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM KOBE

Em tempos normais já não é simples aos ocidentais localizar um endereço no Japão, por conta de um sistema peculiar de denominação de bairros, ruas e números das residências, não bastasse a escrita em caracteres de "kanji".
Em meio a uma cidade devastada, o objetivo torna-se complicado até mesmo para os orientais, em se tratando de Kobe.
Para se chegar a pontos distintos onde se tem conhecimento de que viviam brasileiros é preciso, primeiro, disposição para embarcar na última estação em que as linhas ferroviárias operam, Nishinomiya Kitaguchi, e dali seguir a pé por um labirinto infindável de ruínas.
Os cerca de 15 quilômetros que separam Nishinomiya do centro de Kobe se multiplicam a cada incursão pelos bairros de prováveis moradias brasileiras, em vão.
Ao cair da tarde a cidade toma ares de abandono quando as vítimas do terremoto ou mesmo os que não tiveram suas casas destruídas, em precaução, rumam para os abrigos comunitários, em escolas, igrejas, centrais de polícia ou regionais da Prefeitura.
A partir da estação de Nishinomiya a paisagem se altera a cada quarteirão.
O que antes serviu como ponto turístico retrata marcas de sismo tão rápido quanto violento.
Prédios inclinados, tombados à frente como um galho seco, automóveis soterrados e a desolação estampada na face de japoneses que recolhem os últimos pertences pessoais em sacolas de viagem.
É inverno, os dias são curtos, e a cidade sem iluminação pública ganha outras luzes: as do Corpo de Bombeiros, que ainda trabalha no resgate de vítimas entre os escombros e de ambulâncias que abrem caminho entre a multidão com seu amontoado de malas e sacolas nas costas ou empilhadas sobre bicicletas.
Assim, já à noite, é possível localizar um provável endereço de residência brasileira. Não confirmado, pois o bairro está praticamente destruído, e ninguém sabe para onde seguiram os moradores.
Dali, a opção é seguir a uma escola que serve de refúgio a desabrigados, onde haveria brasileiros, segundo informação obtida em um posto policial.
No caminho, a multiplicação dos escombros e cenas como o resgate de um corpo soterrado, à vista de uma família japonesa que mesmo dois dias após o terremoto ainda relutava em acreditar que o avô não conseguira salvar-se.
Na escola-abrigo, um prédio de três andares sem sequer um arranhão por conta do tremor, há notícias de que um casal brasileiro estaria alojado. Muitos já repousam em cobertores improvisados no chão, nos três pavimentos.
Localizar brasileiros torna-se tarefa difícil, há mais de 800 pessoas no local, segundo um voluntário que auxilia na recepção de desabrigados. Ainda assim pode se percorrer os andares do prédio, chamando em português. Em vão.

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