São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Presidência faz mais leis que o Congresso

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil vive uma situação inusitada para um país que se pretende democrático: o presidente da República faz mais leis que os 503 deputados e 81 senadores que compõem o Congresso Nacional.
Detentor do poder constitucional de legislar, o Congresso aprovou no ano passado 131 leis. No mesmo período, o ex-presidente Itamar Franco editou 405 medidas provisórias (incluindo reedições), que têm força de lei desde a data de sua publicação. Nenhuma delas foi rejeitada integralmente pelos parlamentares.
O número é um recorde histórico. Desde sua criação, com a Constituição de 88, a medida provisória nunca havia sido usada com tanta frequência.
Também é inédito o abismo que se registrou entre o número de medidas provisórias e o de leis.
Em 1991, por exemplo, o então presidente Fernando Collor recorreu apenas 11 vezes ao instituto. Em contrapartida, os parlamentares aprovaram 238 leis.
No ano seguinte, o número de medidas provisórias caiu para dez e, o de leis, para 222. A diferença entre a atividade legislativa do Executivo e a do Congresso diminuiu em 1993: 96 medidas provisórias e 225 leis. Em 1994, a relação se inverteu.
No governo Itamar também se chegou ao ponto máximo da utilização de um poder que o Executivo se concedeu –o de reeditar medidas provisórias.
Há quase sete meses o país tem uma nova moeda, o Real, sem que o Congresso tenha se manifestado sobre sua adoção. Isso graças a seis reedições da medida provisória que instituiu o Plano Real em 29 de junho de 1994.
A criação do Real foi a quinta mudança drástica na economia brasileira feita através de medidas provisórias (incluindo a instituição da URV no ano passado).
Em todas as siturações, o Congresso deparou com fatos consumados, como a troca da moeda, diante dos quais não lhe restava outra alternativa senão aprovar as decisões do Executivo.
Entre parlamentares e advogados há quase um consenso de que o uso da medida provisória no Brasil é abusivo (ver texto abaixo).
"Temos uma medida que é a mais forte de todas as que são usadas em países democráticos", afirma o professor de direito constitucional da PUC Celso Bastos.
Em sua opinião, a medida provisória chega a ser pior que os decretos-leis usados no regime militar, para os quais havia limitação constitucional de temas. Eles só podiam tratar de finanças públicas, segurança nacional e criação de cargos públicos e vencimentos.
As medidas provisórias não têm qualquer restrição de tema. Basta que haja urgência e relevância, conforme o artigo 62 da Constituição. São expressões vagas o bastante para permitir interpretações subjetivas.
Como a decisão é do presidente, hoje há medidas provisórias sobre quase tudo –de questões tributárias a diretrizes de ensino.
No ano que passou, o impacto delas na vida do cidadão foi bem maior que o das leis aprovadas por iniciativa do Congresso.
Além da mudança de moeda, as medidas provisórias trataram de questões tributárias, mensalidades escolares, venda de carros populares e regras orçamentárias, para citar apenas alguns temas.
As leis propostas pelos parlamentares raramente tiveram a abrangência das medidas provisórias. Algumas das exceções foram a lei que prevê benefícios para microempresas e a que reconhece o direito dos companheiros à pensão alimentícia e à herança.
O Congresso também aprovou a ampliação de três para oito anos do prazo de inelegibilidade de parlamentar cassado. Mas a maioria das leis trata de questões pontuais, como a criação de uma Junta de Conciliação e Julgamento em Dourados (MS) ou a proibição deque o fardamento adotado pelas escolas seja alterado em prazo inferior a cinco anos.

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