São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Luxemburgo promete impor disciplina

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LOURENÇO (MG)

Aos 42 anos, Wanderley Luxemburgo chega ao Flamengo como técnico e filósofo do futebol.
Bicampeão brasileiro com o Palmeiras em 1993 e 1994, vê o futebol carioca ascendente e o paulista no mesmo nível dos anos hegemônicos da década de 90.
Luxemburgo quer convencer os jogadores do Rio de Janeiro, mais técnicos do que os paulistas, na sua opinião, a combaterem e se empenharem taticamente como os de São Paulo.
Audacioso, transferiu-se para o Flamengo em dezembro, quando ainda não tinham sido anunciadas contratações como as dos tetracampeões mundiais Romário e Branco e o clube não conquistava título havia dois anos.
Para o técnico, o Flamengo pode vencer, no ano de seu centenário, o Campeonato Estadual. Na sua filosofia, os jogadores, todos, têm de atacar e defender, em "múltiplas funções".
Se preciso, discorda até do presidente do clube, Kleber Leite. Na semana passada, o dirigente desautorizou o atacante Sávio a usar a camisa 7, como o jogador combinara com o treinador.
"O técnico escala a equipe", afirmou Leite. "Quem escolhe os números sou eu. Número é marketing. Sávio será o 10."
"Sávio vai ser o 7", responde o técnico Luxemburgo. "Não acho que futebol seja só marketing. Quem conhece os jogadores sou eu. Pode haver turbulência no grupo."
"Se a cabeça do jogador ficar pesada, alguém vai tomar conta? Isso seria conversado com o Kleber numa reunião. Não sabia que ele disse aquilo numa entrevista coletiva."
A "cabeça" a que se refere o técnico é a do meia Nélio, o herdeiro da camisa 10 que um dia foi vestida por Zico.
Já técnico do Flamengo, Wanderley Luxemburgo dedica as palavras mais carinhosas para o atacante palmeirense Edmundo, seu ex-desafeto.
"Hoje Edmundo é um filho para mim", diz, com emoção.
A seguir, a entrevista de Luxemburgo concedida à Folha no hotel onde o Flamengo se hospeda na cidade que escolheu para treinar: a estância hidromineral de São Lourenço, no sul de Minas Gerais.

Folha - O senhor concorda com a tese de que o futebol carioca, com a sua contratação e a de grandes jogadores, é ascendente, em contraste com o futebol paulista, que perdeu alguns de seus principais nomes?
Wanderley Luxemburgo - Não vejo um início de decadência no futebol paulista, mas sim um momento de ascensão no Rio de Janeiro.
Os dois últimos anos foram muito ruins para o futebol carioca.
Trabalhei em 1991 no Flamengo e já via uma estrutura arruinada.
Folha - Nem bola havia para treinar.
Luxemburgo - Pois é. Mas em 1992 o Flamengo ganhou do Botafogo na final do Campeonato Brasileiro. Aquilo foi ruim porque foi enganoso. A estrutura continuava ruim.
Folha - Por que o senhor não vê decadência no futebol paulista?
Luxemburgo - Porque ainda é o futebol mais forte do país. Há uma renovação necessária. O São Paulo ficou quatro anos no topo. A mudança é necessária.
O Palmeiras perdeu Evair, Zinho e César Sampaio, mas se reforçou com Mancuso e outro estrangeiro (o colombiano Tréllez).
Folha - O senhor voltou ao Rio para ficar mais perto da Confederação Brasileira de Futebol e, portanto, da seleção brasileira?
Luxemburgo - Não. Eu acho que um dia serei treinador da seleção, mas isso não é uma obsessão para mim.
Minha carreira me levará até ela.
Na Copa, fui dos poucos que respeitaram o Parreira (Carlos Alberto, então técnico da seleção brasileira).
Folha - O Flamengo de 1995 jogará como o Palmeiras de 1994?
Luxemburgo - O Flamengo, como o Palmeiras antes, terá o futebol participativo como filosofia.
As características dos jogadores são diferentes, mas todos serão exigidos tanto ofensiva como defensivamente.
Será um time aplicado, aguerrido, determinado.
Folha - Até Romário vai ajudar a defender?
Luxemburgo - Ele não vai mudar de um dia para outro. Jogando como joga até hoje, ele se tornou o maior jogador de futebol do mundo. Mas aos poucos pode se adaptar.
Folha - Cite uma diferença técnica entre jogadores do Flamengo e do Palmeiras.
Luxemburgo - O Nélio joga na esquerda do meio-campo, como fazia o Zinho no Palmeiras.
Mas o estilo de jogo do Zinho é de mais domínio de bola, cadência. O Nélio tem mais velocidade, cria mais situações.
Folha - Por que o senhor transformou Branco de lateral-esquerdo em meia defensivo?
Luxemburgo - Porque ele pode ser um excelente apoiador. É hábil, participativo.
O futebol moderno está evoluindo para jogadores de múltipla função.
Folha - Branco não tem mais preparo físico para ser lateral?
Luxemburgo - Começa a ficar sacrificante para ele jogar na lateral. Ele também está disposto a não jogar mais na lateral, a não ser na seleção brasileira.
O desgaste é maior naquela posição.
No meio-campo, há um espaço menor para correr, embora combatendo mais. Branco vai render muito mais ali.
Folha - O senhor exige disciplina dos atletas. O presidente do Flamengo, Kleber Leite, afirmou que o técnico escala o time, mas quem escolhe o número da camisa, por uma questão de marketing, é o presidente.
Luxemburgo - Como assim?
Folha - Leite disse que, ao contrário do divulgado em São Lourenço, Sávio não será o número 7. Ele decidiu que será o 10.
Luxemburgo - Não. Sávio será o 7. Ele já aceitou e há três anos o Nélio é o 10.
Uma mudança pode mexer com a cabeça dele. Futebol não é só marketing.
Folha - O Flamengo já tem um time tão bom quanto os de Palmeiras e São Paulo?
Luxemburgo - O Flamengo tem um grupo de qualidade, mas futebol não é só jogador de qualidade. União e conjunto são importantes, poder cobrar dos companheiros, conhecer suas virtudes e defeitos.
Folha - Não é difícil prosperar num clube com graves problemas de estrutura?
Luxemburgo - Isso já está mudando. Em duas reuniões num grupo de trabalho, resolvemos fazer muitas coisas.
Estamos formando um centro de fisiologia do esporte, vamos reformar a casa onde fica a concentração do time e até o fim deste ano devemos construir o centro de treinamento.
Na concentração teremos um bom projetor para eu mostrar, com meu microcomputador, o que desejo taticamente de cada um.
Folha - O senhor será o responsável pelo futebol profissional e por todas as equipes amadoras, não?
Luxemburgo- Exato.
Folha - Mas no Palmeiras isso não foi possível porque o presidente do clube, Mustafá Contursi, se opunha.
Luxemburgo - Eu sempre quis fazer isso, de graça, sem receber nenhum centavo a mais. Mas o Mustafá era totalmente contrário a essa filosofia.
A Parmalat tinha uma filosofia diferente, como a minha. Tinha um projeto para eu coordenar todas as categorias.
Folha - Jogadores cariocas têm sido bem-sucedidos em São Paulo e no exterior. A seleção tetracampeã tinha maioria de jogadores revelados no Rio. Os cariocas jogam futebol melhor do que os paulistas?
Luxemburgo - Não acho. O carioca é mais técnico e o paulista, mais pegador. Mas, com a evolução do futebol, o jogador carioca se aplica mais e o paulista está mais técnico.
Folha - O que é a sua "filosofia"?
Luxemburgo - No futebol, múltiplas funções para os jogadores. Também exijo disciplina no comportamento. Você viu hoje o Romário no treino? Estava de meia levantada e camisa dentro dos calções, como eu pedi. Um jogador tem que saber se vestir adequadamente.
Folha - Qual o melhor ataque: o do Palmeiras de 1994, Edmundo e Evair, ou do Flamengo de 1995, Sávio e Romário?
Luxemburgo - Não dá para comparar. São todos jogadores de alto nível.
Folha - O senhor continua rompido com Edmundo?
Luxemburgo - O que é isso? Hoje ele é meu amigo, meu filho. Nunca puni o Edmundo ser humano, só o profissional.
Folha - Com sua punição, afastando-o da equipe, ele ficou fora da Copa do Mundo.
Luxemburgo - Quem puniu o homem Edmundo foi o profissional Edmundo. Puni e dei a ele a chance de se recuperar. Adoro ele. Aliás, as portas do Flamengo estão abertas. Hoje, Edmundo para mim é um filho.

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