São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 1995
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Adeus, São Paulo

JANIO DE FREITAS

Paulistanos de todos os bairros, uni-vos. Os paulistas –vossos conterrâneos, sim– que assumiram o controle do país estão determinados a transformar vossa rica cidade em um inferno de indigentes e de violência.
Tal será a inevitável consequência da "idéia" (é evidente que a palavra foi uma força de expressão, como logo se verá) assim exposta: "A idéia para os próximos meses é estadualizar o salário mínimo. Cada Estado terá um piso fixo pela capacidade de pagamento. O mesmo critério valerá para as aposentadorias. Tem lugar que dá para pagar um salário mínimo de R$ 100. Mas tem outros que não dá. É muito raro alguém pagar salário mínimo em São Paulo, que pode suportar com tranquilidade um valor duas ou três vezes maior".
Ainda deputado por São Paulo, senador eleito por São Paulo, ministro do Planejamento (mas não só, como se deduz desta incursão pelas atribuições do ministro do Trabalho, além de outras), José Serra é o autor da antiidéia acima. Ou, o que dá na mesma, da "idéia" apropriadamente de economista, este estranho similar do "homo sapiens sapiens" que ainda não vai além das cifras e percentuais, para desenvolver raciocínio a partir delas.
É logo evidente, no entanto, que estadualizar o mínimo vai fazer de São Paulo o maior centro de atração de migrantes, provenientes dos Estados onde o piso salarial e a aposentadoria sejam mais baixos.
São Paulo e Rio já passaram por esta experiência, quando o mínimo era estadualizado. Foi assim que São Paulo se tornou "a maior cidade do Nordeste". E o Rio se viu infiltrado por favelas e cercado por extensões semi-urbanas que são enormes concentrações nordestinas, como Duque de Caxias. Com as consequências conhecidas.
Dizia-se então que os retirantes, como eram chamados na época, vinham para São Paulo e Rio em busca de trabalho. Não, jamais alguém veio em busca de trabalho, mas de salário. Trabalho já havia no Norte e no Nordeste, o salário é que era quase invisível. Nas regiões de salários mais altos, ainda que não haja oferta abundante de emprego, até o biscate é mais bem pago, justificando a migração e a permanência. Não foi por outro motivo que, a dada altura, São Paulo adotou a suprema violência de instalar barreiras que detinham os migrantes e os confinavam, à espera da deportação.
O problema do salário mínimo é mais complexo do que os economistas da "modernidade" podem compreender. Pela lógica exposta por Serra, o mínimo de São Paulo tem que ser mais alto do que o mínimo de Belém. Mas foi em Belém que o custo de vida, medido pelo IBGE, mais subiu no decorrer de 94, alcançando 1.002% contra 957% em São Paulo. Se a finalidade do salário mínimo é proporcionar a qualquer trabalhador o mínimo indispensável à sobrevivência, em Belém deveria ter reajuste maior do que em São Paulo. O que suscitaria inúmeras outras questões, complicadas todas. E isto é só um exemplo das complexidades envolvidas no mínimo e no problema salarial em sentido mais amplo.
Caso a "idéia" do ministro Serra venha a pegar, não há dúvida: adeus, São Paulo.

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