São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 1995
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Olhos azuis admiram melancolia

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

A natureza estelar do Paul Newman ator acabou obscurecendo outra de suas atividades na qual não é menos brilhante –o Paul Newman diretor.
Como John Cassavetes –outro ator que construiu uma vigorosa obra como cineasta–, Newman faz em seus filmes aquilo que, parodiando os franceses, poderia ser chamado de "cinema de ator".
Newman não somente filma com inequívoca experiência diante das câmeras, mas também investe no ator como centro das forças que estão em jogo nos dramas.
Sua carreira como diretor começou e seu talento foi imediatamente reconhecido quando, em 1968, estreou no longa com "Rachel, Rachel". Com esta história de uma mulher de 30 anos, neurótica, que se entrega ao misticismo e a um sedutor de passagem, Newman adquiriu a fama de diretor sensível, capaz de trocar a armadilha lacrimejante do melodrama por um estudo atento dos afetos.
Desde este primeiro filme emerge um núcleo de observação que vai estar presente em todos os seus filmes: a família, suas estruturas sentimentais ambíguas, e seus indivíduos, que sucumbem ao ataque maciço dos bons sentimentos.
Em 1971, Newman teve que acumular funções em "Uma Lição Para Não Esquecer". Protagonista, ao lado de Henry Fonda, desta produção sobre conflitos familiares entre madeireiros do Oregon, Newman assumiu depois de já iniciada a tarefa da direção. O filme foi mal recebido, mas guarda intactas as qualidades que ele soube dar a este material difícil, politizado e com excesso de ação.
No ano seguinte, dirigiu seu melhor filme: "O Preço da Solidão". Adaptado de uma peça de Paul Zindel ("O Efeito dos Raios Gama Sobre as Margaridas do Campo"), este drama sobre a vida reclusa de uma viúva e duas filhas problemáticas é a melhor iniciação aos temas caros a Newman.
Rancores, discórdias, neuroses, derivações de afetos exacerbados garantem a melancolia que atravessa esta pintura rigorosa da vida familiar que deve causar inveja a Robert Redford, que tentou, sem muito sucesso, algo semelhante em "Gente Como a Gente".
Em 1987 ele realizou a terceira e melhor versão de "À Margem da Vida", peça de Tennessee Williams. A adaptação do texto teatral cria espaço para o casamento ideal dos temas caros a Newman e suas qualidades como diretor de atores. Newman escapa do perigo do teatro filmado construindo um jogo que investe na psicologia do olhar, investida em cada plano, em cada aproximação da câmera dos corpos dos atores.
Disponível em vídeo, ao contrário de "O Preço da Solidão", "À Margem da Vida" comprova que, por trás das câmeras, Newman é muito mais que um belo par de olhos azuis.

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