São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 1995
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Sem culpa

OTAVIO FRIAS FILHO

Uma nuvem de decepção já encobre a imagem do novo governo. FHC parece ser vítima de uma espécie de paradoxo do "low profile".
No esforço de evitar expectativas desmesuradas, que depois sempre se frustram, o presidente corre o risco de frustrar de cara, criando uma pasmaceira de final, não começo, de governo.
Sarney 2, dizem. Somos levados a perguntar se inteligência, preparo intelectual etc. têm alguma coisa a ver com o exercício do governo.
Ou se um governo capaz de fazer mudanças depende de outras qualidades, vícios no campo privado: uma ambição imoral, uma garra próxima da demência, uma fixação que já tem um quê de burrice.
Claro que ainda é cedo para definir o padrão do Tucanato, mas as coisas parecem (não) acontecer muito cedo na atual administração.
Em qualquer lugar do mundo, a oposição poria as mangas de fora. Mas é da tradição local, da nossa umbanda política, que a oposição esteja no governo e o governo, muitas vezes, na oposição.
Existe o PT, que continua oposição mesmo quando chega ao governo. Mas o PT afundou na sua maior crise e talvez o que melhor convenha aos petistas seja aprofundá-la ao máximo.
Há muito tempo que esse partido vem adiando o Dia do Juízo Final. As contradições, como eles próprios diriam, vinham se avolumando até explodir no caso -que é puro George Orwell- do financiamento da campanha de Lula.
Em resumo, a missão que o PT se atribuiu foi a de lançar uma ponte entre o Brasil excluído e o Brasil integrado à economia internacional, à custa de reduzir os ritmos deste último.
Mas o descolamento entre excluídos e integrados aumenta a olhos vistos em escala internacional. O partido está com um pé em cada canoa enquanto elas se afastam rapidamente.
A distribuição do peso, porém, não é igual. Por estranho que possa parecer, houve uma época, nem tão remota, em que o PT era "moderno".
Lula ridicularizava a empresa local e elogiava as multinacionais. Não queria saber de padres. Atacava o sindicalismo estatal e a União Soviética.
O partido surgiu do repúdio ao militarismo das organizações de esquerda e era tudo menos nacionalista. Que fim levou esse PT?
Foi tragado pelo outro Brasil, mais pesado. A Igreja e os funcionários públicos encarnaram no partido; a própria sensibilidade popular, formada no populismo, ainda que eletrônico, pesou.
Era a tentativa híbrida, inovadora, de lidar com a secular dualidade do país que diferia o PT tanto de Brizola e Cia. como da direita.
Isso acabou e o PT parece cada vez mais com uma mistura de PC do B com PTB. Como atenuante e agravante, diga-se que a crise é da esquerda no mundo inteiro.
Exceto, paradoxalmente, nos EUA, onde a esquerda prospera disfarçada sob a política das minorias. Mas aquele país é rico o bastante para sustentar um florescente "establishment" de esquerda.
E culpado o bastante para ouvi-la. Não é o nosso caso, porque até a culpa estamos perdendo.

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