São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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A luta pelos genes do 3º Mundo

PAULO FERNANDO SILVESTRE JR.
DA REPORTAGEM LOCAL

Um livro de 1.032 páginas recém-lançado, apontado como o resumo de tudo que se sabe até hoje sobre evolução da raça humana, está tocando na delicada questão de patenteamento de sequências genéticas.
O autor, Luca Cavalli-Sforza, 72, professor emérito da Universidade de Stanford, prega que as raças humanas guardam uma incrível semelhança genética. As diferenças visíveis seriam decorrentes apenas de pequenas variações entre o genoma dos indivíduos.
O pesquisador faz parte do Projeto Genoma Humano (PGH), uma iniciativa internacional que visa obter um completo mapa genético do homem.
Para obter as informações necessárias ao projeto, foi criado, em 1991, um programa paralelo ao PGH, o Projeto de Diversidade Genômica Humana.
Através do DNA obtido de diversas populações no mundo, ele tenta reconstituir a evolução da humanidade.
As pesquisas nem sempre acontecem de maneira amistosa. Representantes das comunidades indígenas, as principais fornecedoras do material, têm se levantado contra o que eles classificam de racismo e colonialismo genético.
Para vários deles, retirar amostras de grupos como os aborígenes australianos, fortemente discriminados desde o século 19, não passa de mais um exemplo de apropriação indevida dos brancos.
Além disso, alguns países, em sua maioria do Terceiro Mundo, ainda estão melindrados por um projeto da década de 70 que consistia num esforço para formar um catálogo de domínio público de 125 mil espécies de plantas.
O desentendimento surgiu quando algumas empresas utilizaram esse material para criar plantas híbridas, patenteando-as. Os lucros não foram, obviamente, repassados aos países de origem.
Medidas foram tomadas na tentativa de reconquistar a confiança das populações-alvo, entre elas, um controle local sobre questões relacionadas ao direito de patentes.
Com o surgimento do Projeto da Diversidade Genômica Humana, governos, pesquisadores e indústrias começam a se interessar mais pelo ainda desconhecido potencial genético da própria espécie humana, buscando, por exemplo, soluções para doenças, que, por tabela, renderiam bons lucros.
A questão de patenteamento de sequências de DNA humano ainda é delicada. De um lado postam-se os liberais, para quem tudo é permitido, inclusive ganhar dinheiro com a engenharia genética.
Contrários a estes, ficam parte da comunidade científica, representantes de ONGs (organizações não-governamentais) e religiosos, que consideram a patente de sequências de DNA algo antiético e contrário aos interesses da ciência.
Francisco Salzano, geneticista do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é contrário às patentes porque isso não é uma invenção, está disponível na natureza.
No ano passado, a ONG Swissaid tentou barrar o pedido de patente do governo norte-americano sobre duas linhagens celulares obtidas de nativos da Papua Nova Guiné e das Ilhas Salomão.
As sequências foram consideradas úteis no desenvolvimento de medicamentos contra a leucemia. Apesar dos protestos da Swissaid, o pedido não foi retirado.
O caso de uma índia panamenha da tribo dos Guayami, de quem se obteve material útil ao tratamento de doenças degenerativas e de leucemia, teve um final diferente.
O pedido de patente do governo dos EUA foi retirado depois que o presidente do Congresso Geral Guayami, Isidro Acosta, pediu o repatriamento do material, chegando a apelar para o Gatt (Acordo Geral de Comércio e Tarifas) e para a Convenção da Biodiversidade.
Sérgio Pena, representante no Brasil do PGH e pesquisador do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais, diz que as patentes de genes continuarão.
Pena lembra que sequências genéticas sem função definida não são patenteáveis. Além disso, o patenteamento de material genética não é objetivo do projeto.

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