São Paulo, segunda-feira, 30 de janeiro de 1995
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Gledson traduz Machado para inglês ler

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Tradutor, traidor. O crítico John Gledson, 49, não quer ouvir esse bordão enquanto traduz para o inglês "Dom Casmurro", de Machado de Assis (1839-1908), uma das obras-primas brasileiras.
Para ele, não existe prova no texto de Machado de que Capitu trai Bentinho. "Meu coração me diz que ela é inocente", diz, "mas a função do tradutor é manter a ambivalência do original."
Gledson, porém, sabe que mesmo a ambivalência pode ser traidora: para muitos, Capitu traiu Bentinho, sim. A polêmica é tão duradoura quanto a liberdade de expressão (leia texto à pág. 5-7).
Por telefone, o crítico inglês deu entrevista exclusiva à Folha na quinta-feira passada, de sua casa em Liverpool, onde leciona literatura hispano-americana.
Em português quase sem sotaque, falou da dificuldade de traduzir as sutilezas e ironias do escritor brasileiro e contou que o correr da tradução tem lhe revelado um livro mais forte –sobretudo, disse, "em suas implicações sexuais".
Noticiou também que prepara edição crítica e completa dos contos de Machado para os "Archives pour la Littérature Latinoaméricaine", coleção publicada na França, mas no idioma do original.
"Os contos são mal editados no Brasil", afirmou. "Faltam pelo menos 60 no volume das 'Obras Completas' da Nova Aguilar."
Sua tradução de "Dom Casmurro", a terceira do romance para o inglês, sai no começo do segundo semestre pelas editoras das universidades de Texas (EUA) e Oxford (Inglaterra), simultaneamente, e será base de um congresso sobre o Bruxo do Cosme Velho que a universidade texana faz em outubro.
Para Gledson, a literatura de Machado tem de viajar pelo mundo, "como toda grande literatura". Para isso o essencial, segundo ele, é recriar a vivacidade do estilo de Machado para o inglês, pois há um risco de o texto soar chato ao leitor estrangeiro.
Para conseguir tal recriação, Gledson percebeu, ao traduzir, que seria importante evitar as palavras de origem latina, valorizando a flexibilidade do inglês –ainda que Bentinho use com frequência vocabulário jurídico, de raiz latina.

LEIA MAIS
Sobre Gledson e Machado à pág. 5-7

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