São Paulo, segunda-feira, 30 de janeiro de 1995
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'Cahiers' festeja cem anos com especial

Revista resgata pequenas histórias

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A mais influente revista de cinema do mundo, a francesa "Cahiers du Cinéma", inova ao celebrar o centenário. Um número especial, lançado este mês, publica cem artigos sobre momentos-chave dos bastidores da arte cinematográfica.
Nada de grandes panoramas, resumos didáticos ou lista de filmes obrigatórios. A "Cahiers" optou por passar ao largo de qualquer pseudo-totalizante "história do cinema" e se fixar nas "histórias" do cinema, em pequenos fragmentos do cotidiano que marcaram a evolução desta arte.
O despretensioso resultado é delicioso de ler. Longe do jargão teórico-crítico, mas nem por isso superficial, o número especial da "Cahiers" nos conduz por uma fileira de crônicas reflexivas sobre o impacto de certos fatos sobre a evolução do cinema.
Invenções técnicas e criações de linguagem, encontros desencontros, marcos industriais e fofocas de filmagem, escândalos públicos e tragédias privadas alternam-se num mosaico colorido e divertido.
O Brasil marca presença apenas uma vez. O artigo "Orson Welles Solta as Amarras", de Bill Krohn, saúda as filmagens interrompidas de "It's All True" no Rio e no Nordeste como o "turning point" da carreira de Welles, marcando sua ruptura definitiva com Hollywood como indústria e como camisa-de-força estilística.
Krohn sustenta ainda que a "lenda" de "It's All True" "marca a história do Cinema Novo brasileiro, que surgiu em 1961 com "Barravento" de Glauber Rocha, sobre pescadores do Nordeste".
A pauta geral dos artigos descreve uma interessante curva. Tudo começa com uma série de pequenos ensaios, de especialistas insuperáveis como Laurent Mannoni, Jean Douchet e Vincent Pinel, que destacam as datas cruciais do desenvolvimento técnico que levou à cristalização do cinematógrafo Lumière como equipamento-padrão e do cinema como espetáculo de massa.
A consolidação do cinema (ainda mudo) como diversão planetária segue-se através de artigos sobre a formação do império Pathé, a explosão da comédia com a Keystone de Mack Sennett e o surgimento na Califórnia de 1909 de uma locação ideal, variada em paisagens e com sol o ano inteiro, chamada Hollywood.
A associação, em 1919, de Charles Chaplin, o diretor David Wark Griffith, o ator Douglas Fairbanks e a "namoradinha da América" Mary Pickford, que fundam a United Artists, coroa este processo, sinalizando o fim dos tempos heróicos e o começo da hegemonia americana.
O esquema se repete e o ciclo se fecha ao fim da "Cahiers" especial. Ao nascimento do cinema, se contrapõe agora o desafio de sua continuidade como principal arte e diversão de massas.
No dia 22 de setembro de 1994, acende as luzes do pessimismo. Pela primeira vez um videogame, "Mortal Kombat 2", assume na lista da revista "Variety", o barômetro internacional da indústria de entretenimento, o primeiro posto em arrecadação da semana.
Menos de um mês depois o cinema contra-ataca: o diretor Steven Spielberg e os produtores David Geffen e Jeffrey Katzenberg se unem para formar um estúdio próprio. Sinal dos tempos: cinema será o produto principal, mas o grupo vai atuar também no mercado de televisão, de multimídia –e, claro, de videogames.
Nas páginas da "Cahiers", o cinema completa seu primeiro século acossado.

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