São Paulo, segunda-feira, 30 de janeiro de 1995
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Ninguém é perfeito

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não acredito na ressureição da carne e muito menos na reencarnação. Mas se tiver de voltar ao picadeiro, gostaria de ser cientista social. Perdi a vida a que tinha direito querendo ser maquinista da Central do Brasil e padre da Santa Madre Igreja. Acabei, por gravidade, num ofício que não me atraía nem me diverte.
Se perdi no primeiro turno mas tiver direito ao segundo, escreverei um livro intitulado "Teoria Geral das Causas e Seus Efeitos". Para não ser acusado de genérico, à maneira dos ingleses colocarei o subtítulo "Investigação dos Fenômenos e de Suas Consequências".
Desde já venho fazendo laboratório para ser levado a sério. Citarei os autores de praxe: virei de Adam Smith, Nash, Ricardo, Adorno, Popper. Esparramarei pelo texto algumas gozações em cima de Marx-Keynes, que nos meados deste século eram antípodas e agora formam uma espécie de dupla caipira sobre a qual é politicamente correto meter o pau.
Serei claro –como convém a um expositor de coisas que todo mudo sabe. Gastarei um capítulo para provar que o todo é maior do que a parte e num volumoso apêndice transcreverei subsídios a respeito.
Aqui e ali pingarei alguns trechos obscuros, dando aos críticos a oportunidade de me considerarem profundo e aos hipotéticos discípulos a chave de me interpretarem assim ou assado. A tese que sustentarei será de notável atualidade no século que vem e em qualquer outro século.
Provarei detalhadamente que "posita causa positur effectus, variata causa variatur effectus, sublata causa tollitur effectus" –o latim é macarrônico mas as gerações futuras não irão reparar.
Providenciarei junto aos amigos na mídia algumas resenhas favoráveis e pelo menos dois ou três artigos de página inteira com direito a um boxe contendo glossário e informações biográficas.
É possível que seja convidado a dar um curso em Harvard. Na pior das hipóteses, darei um curso por mala postal interativa, CD-ROM, essas coisas. Corro o risco de ser eleito presidente da República ou nomeado ministro da Fazenda da Fundação Getúlio Vargas. Como disse Joe Brown no final daquele filme de Billy Wilder, ninguém é perfeito.

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