São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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Globo falha ao separar ficção da realidade

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O anunciado corte drástico da protagonista de "Pátria Minha" gerou decepção no público, fã da personagem e da atriz. Mas a perspectiva do desaparecimento de Lídia e Inácio gerou também um frisson coletivo, uma busca de segundos sentidos em cenas e diálogos reeditados.
Embora cada vez mais rara, a presença de Vera Fischer na última semana foi arrasadora. Lídia acuada, em seu derradeiro encontro com Raul (Tarcísio Meira), ridiculariza o todo-poderoso empresário questionando sua masculinidade: "Você é incapaz de inspirar alguma coisa em alguma mulher. Você é ridículo". Depois, aos prantos, com a amiga, a perua maior, ouve dela um conselho que não combina com nenhuma das duas personagens: por que não trabalhar?
Felipe Camargo na pele de Inácio também inspirou subtexto. Em uma de suas últimas cenas, seu personagem chorou. De voz embargada, inconformado com a perda de sua namorada, proferiu uma interpretação auto-analítica: "Eu afasto as pessoas".
Com a suspensão de Vera Fischer e Felipe Camargo de "Pátria Minha", a Globo talvez tenha agido preventivamente, temerosa de desfechos dramáticos, como o que envolveu o assassinato de Daniela Perez há exatos dois anos.
Com os cortes drásticos, a emissora procurou se proteger das consequências nefastas da diluição de fronteiras entre a ficção e a realidade da telenovela. Mas talvez esses níveis estejam intrinsecamente ligados nesse gênero de ficção seriada, compartilhada diariamente por milhões de pessoas, que de uma forma ou de outra desejam poder interferir nos rumos da história.
Em "De Corpo e Alma" o drama do assassinato comoveu a todos. O escândalo abafou o impeachment, foi assunto da CNN e da "New Yorker" e culminou na produção de um final luminoso e glorioso na ficção para a personagem e para a atriz Daniela Perez. Em "Pátria Minha", a direção da Globo rompeu as regras do jogo, passando por cima do público e da direção da novela.
O desfecho da cassação das personagens não poderia deixar de refletir essa falta de sintonia entre o público, a novela e a direção da emissora. O frisson da última semana era inevitável, mas parece ter sido desestimulado, como se a novela pudesse continuar, apesar dos atores e personagens.
A carência de imagens de Vera Fischer e Felipe Camargo prejudicou o suspense de uma sequência que normalmente teria sido produzida em grande estilo. O incêndio do hotel dividiu as atenções do capítulo com um acidente na empresa de turismo, envolvendo Pedro em mais uma demonstração de sua luta pela cidadania, e com o novo romance de Raul, uma esperança de sensualidade na fase final de "Pátria Minha".
Em vez de um capítulo que segue em direção a um desfecho, tivemos um anticlímax. Se o fenômeno "De Corpo e Alma" assusta, a intervenção usada em "Pátria Minha" não é a solução.

O articulista JOSÉ SIMÃO está em férias até a segunda semana de fevereiro

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