São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Escassez pode levar à guerra da água

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

O século 20 viu guerras causadas por diferenças ideológicas, religiosas e políticas -ou pelo controle de reservas de petróleo. O século 21 poderá ser dominado por conflitos provocados pela escassez de outro líquido: a água.
O grito de alerta foi dado há cerca de dois meses pelo vice-presidente do Banco Mundial, Ismail Serageldin, no relatório ``Em direção ao uso sustentável dos recursos hídricos", publicado em agosto passado nos Estados Unidos.
``As guerras do próximo século serão por causa de água -não por causa de petróleo ou política", disse Serageldin. Seu relatório revela fatos e números assustadores.
Hoje, 250 milhões de pessoas, distribuídas em 26 países, já enfrentam escassez crônica de água. Em 30 anos, o número saltará para 3 bilhões em 52 países.
A demanda mundial por água tem dobrado a cada 21 anos. Em 2025, a quantidade de água disponível por pessoa em países do Oriente Médio e do norte da África estará reduzida em 80%.
Dentro de três décadas, 8 bilhões de pessoas habitarão a Terra, concentradas na maioria em grandes cidades. Será necessário produzir mais comida e mais energia, o consumo doméstico e industrial de água aumentará.
Ao mesmo tempo, os recursos hídricos do planeta estão sendo comprometidos pela poluição doméstica, industrial e agrícola, e por desequilíbrios ambientais resultantes de desmatamentos e uso indevido do solo.
Por fim, a disputa entre os três setores que tradicionalmente competem pelo uso de água -agricultura, indústria e consumo doméstico- cresce a cada dia.
O risco de guerras cresce porque a questão das águas se torna internacional. Das 214 grandes bacias hidrográficas do planeta, três quartos são divididas por dois países e um quarto por grupos de três a até dez países.
O Nilo, por exemplo, passa por dez países, entre eles Etiópia, Sudão, Ruanda, Uganda, Quênia e Egito. Já o rio Ganges nasce na cordilheira do Himalaia, no Nepal, atravessa o norte da Índia, e termina em Bangladesh.
Outro importante rio do subcontinente indiano, o Indo, é dividido por Paquistão e Índia. O rio Mekong, no Sudeste Asiático, atravessa o Laos, o Vietnã e a Tailândia.
Desvios de água para projetos de irrigação, construção de hidrelétricas, consumo excessivo dos recursos hídricos ou problemas ambientais como desmatamento e poluição são as principais causas de atrito entre as nações.
O risco de guerras explodirem é ainda maior porque grande parte dos países com escassez de água têm, historicamente, relações conflituosas com seus vizinhos.
``Dependemos 100% do Nilo", disse em 1988 o então ministro das Relações Exteriores do Egito, hoje secretário-geral da Organização das Nações Unidas, o egípcio Boutros Boutros-Ghali.
``A próxima guerra em nossa região será por causa das águas do rio, não por razões políticas", afirmou Boutros-Ghali.
Para o jornalista John Bulloch, autor do livro ``Guerras da Água: Próximo Conflito no Oriente Médio" (``Water Wars: Coming Conflict in the Middle East", edit. Gollancz), é necessário haver uma mudança de mentalidade.
``Os países precisam cooperar uns com os outros, assinar tratados de uso da água e desenvolver projetos em conjunto", diz Bulloch.
``Tanques de guerra não podem impedir o avanço dos desertos", diz Norman Myers, pesquisador do Green College, em Oxford (Reino Unido), e consultor do Banco Mundial.
Bulloch é favorável a que a água seja considerada um bem econômico, uma ``commodity", idéia também defendida pelo Banco Mundial.
Segundo Serageldin, o preço da água canalizada é, em geral, muito baixo. Muitas vezes não chega a cobrir 35% dos custos de suprimento e tratamento.
``Os consumidores das cidades utilizam grande quantidade de água e precisam pagar mais por isso", diz. Contraditoriamente, pessoas com menos poder aquisitivo, sem acesso à água encanada, gastam até dez vezes mais para garantir seu abastecimento.
Ele adapta para o assunto o ditado "o barato sai caro: dez semanas de epidemia de cólera causaram US$ 1 bilhão de prejuízos ao Peru, quantia três vezes maior à investida pelo país em infra-estrutura de água durante toda a década de 80.
Segundo o relatório, US$ 600 bilhões precisam ser investidos em projetos relacionados a água nos próximos dez anos.
Grande parte desses recursos terá de ser financiado pelos próprios países, mas cerca de US$ 60 bilhões deve vir de empréstimos dos países desenvolvidos.
O Banco Mundial pretende dedicar 25% de seus recursos -estimados entre US$ 30 bilhões e US$ 40 bilhões- para financiar projetos de infra-estrutura de água em diferentes países do mundo.

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