São Paulo, segunda-feira, 2 de outubro de 1995
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`Não sei distinguir maconha de alfafa', diz secretário

ANTONIO ROCHA FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-trabalhador rural, ex-padeiro, ex-garimpeiro, ex-alfaiate e ex-oficial de Justiça, José Afonso da Silva, 70, considera uma vitória ter se tornado professor titular da Faculdade de Direito da USP.
Atual secretário da Segurança Pública de São Paulo, ele é criticado pelo estilo ``light" -acha que a polícia deve prender e não matar.
Praticante de meditação, Silva reconhece que não sabe diferenciar maconha de alfafa, como acusam seus críticos, mas não acha isso importante para as suas funções.
Hoje, dia do terceiro aniversário do massacre da Casa de Detenção, em que 111 presos foram mortos pela PM, Silva comemora os efeitos de uma medida polêmica: o afastamento do patrulhamento, por seis meses, de PMs envolvidos em ocorrências com morte.
Na próxima quarta-feira, ele vai prestar informações à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Assembléia Legislativa que investiga o crime organizado.
Silva recebeu a reportagem da Folha em seu gabinete na última quinta para a seguinte entrevista:

Folha - Quais são as principais causas da violência urbana?
Silva - A grande desigualdade social é um dos principais fatores que provocam a violência. Mas há também outros fatores. A desestruturação da família, a recessão econômica, as crises morais. Por fora disso tudo, há a disseminação das drogas.
Folha - Entre suas prioridades está o combate às drogas?
Silva - Criamos uma delegacia especial de combate ao crack. A delegacia tem tido bons resultados, não só nas prisões em flagrante, mas na apreensão de drogas. (Neste ano, o Denarc apreendeu 183,6 kg de crack e indiciou 720 pessoas por envolvimento com drogas em geral).
Folha - Que outras medidas já foram adotadas?
Silva - Reorganizamos o antigo Deic, agora chamado Depatri (Departamento de Investigações sobre Crimes contra o Patrimônio). Foram criadas delegacias móveis, que ajudaram na redução do número de furtos, em especial de tênis e de relógios Rolex. (Estatísticas da secretaria mostram queda de 16% no número de furtos no primeiro semestre de 95 em relação ao mesmo período de 94).
Folha - Mas o número de homicídios no primeiro semestre foi 16% maior que o do mesmo período de 94.
Silva - O número de homicídios sobe desde 84, quando começaram a ser feitas estatísticas. O mês deste ano em que mais houve homicídios na Grande São Paulo foi abril, com 705. Desde então, o número vem caindo mês a mês, embora em níveis cerca de 15% mais elevados que o mês correspondente no ano passado.
Folha - O que a secretaria faz para combater os homicídios?
Silva - Em setembro, iniciamos uma operação na zona sul de São Paulo, onde há a maior concentração de homicídios na cidade. O policiamento foi reforçado. A média de homicídios era de 16 por fim-de-semana na região. Em três fins-de-semana de setembro, a média foi de dez assassinatos, uma redução de 37,5%.
Folha - Qual a explicação para as chacinas? Já ocorreram 41 neste ano.
Silva - Desde vingança pela morte de um companheiro, passando por disputa de comerciantes e brigas por partilha de produtos roubados. Mas, em 60% dos casos, o motivo principal é a droga, na disputa por pontos-de-venda ou cobrança de dívidas.
Folha - Como diminuir o número de chacinas?
Silva - É preciso identificar, prender e punir os suspeitos.
Folha - Das 41 chacinas, 50% têm acusados identificados, mas só em 15% todos estão presos.
Silva - É uma dificuldade prender os acusados. Muitas vezes, o autor do crime vai para outro Estado. A prevenção de chacinas não é fácil. Mas é possível saber os fatores que geram chacinas e combatê-los. Como o empenho no combate ao crack.
Folha - A violência contra a mulher subiu em média 20% no primeiro semestre de 95 em relação ao mesmo período de 94.
Silva - É difícil saber até que ponto as ocorrências realmente aumentaram ou se o que cresceu foi o número de denúncias.
Folha - No primeiro semestre de 95, a PM paulista matou 23% mais pessoas que no mesmo período de 94. A polícia do governo Covas é mais violenta que a do governo Fleury?
Silva - É preciso comparar períodos equivalentes. Deve-se comparar o início do governo Covas com o início do governo anterior. O número de mortes era maior em 91 (no primeiro semestre de 95, a média mensal foi de 45,6. Em 91, foi de 86,3). Em todo início de governo há tentativas de retomar situações reprimidas. No final do governo anterior, houve queda no número de mortos pela PM após o massacre do Carandiru.
Folha - O que fazer para diminuir esse indicador?
Silva - Em setembro, implantamos um sistema que afasta do patrulhamento em carros todo PM que se envolver em uma ocorrência com morte. Ele é deslocado para outras funções e passa por uma reciclagem. Isso inibiu o número de mortos pela PM. A média do ano até agosto era de 46,3. Em setembro, até hoje (dia 28), foram 17 mortes (redução de 63,3%). Mas ainda acho o número elevado.
Folha - Por que só o Comando de Policiamento Metropolitano (CPM) está sujeito à medida? Por que a Rota está fora?
Silva - É um problema de estrutura da polícia. A Rota não está subordinada ao CPM. Primeiro é preciso implantar o sistema, ver como funciona, para depois modificá-lo ou estendê-lo.
Folha - Por que o senhor pediu adiamento de uma semana para falar à CPI?
Silva - - Porque recebi, com um prazo de dois dias úteis, uma série de questões para responder sobre os dados de 50 policiais e ainda outros questionamentos. Eu precisaria de mais tempo.
Folha - O deputado Conte Lopes afirmou que o senhor não sabe distinguir maconha de alfafa. O que o senhor tem a dizer?
Silva - Eu realmente não sei distinguir maconha de alfafa. Nunca vi maconha na minha vida. Ele diz que eu não entendo de segurança por causa disso. Se fosse assim, teríamos de colocar um botânico na Secretaria da Segurança.

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