São Paulo, segunda-feira, 2 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pedro Cardoso estréia falando sozinho

ZECA CAMARGO
EDITOR DA ILUSTRADA

Peça: O Autofalante
Com: Pedro Cardoso
Direção: Amir Haddad
Onde: teatro Hilton (av. Ipiranga, 165, tel: 011/256-0033)
Quanto: estréia amanhã, às 21h; temporada de segunda a quarta, sempre às 21h
Preço: R$ 18 (segundas) e R$ 20 (terças e quartas)

Pedro Cardoso fala bem sobre qualquer coisa.
Nesta peça, que ele estréia amanhã em São Paulo, ele também é capaz de fazer você rir descomunalmente, lançar uma pergunta inesperada, fazer um comentário em um tom íntimo -mas sobretudo ele é capaz de falar bem sobre qualquer coisa.
Não no sentido de ``ser bonzinho", mas de fascinar você com qualquer conversa. Com esse poder todo, manter o foco numa entrevista com ele é tarefa difícil.
Com um pouco de concentração (de ambas as partes) a conversa eventualmente chegou a ``O AutoFalante". Mas, até lá, os tópicos tratados foram da leveza de seus primeiros espetáculos no teatro Cândido Mendes (Rio) à profundidade da discussão do por que de certas pessoas estarem sempre buscando credibilidade intelectual.
Melhor começar pelos assuntos mais leves.
Já tem mais de dez anos -quase quinze- que Pedro Cardoso se tornou, ao lado de Felipe Pinheiro, um ponto de referência no teatro carioca. Ou ainda, no teatro nacional, uma vez que eles passaram a ser representantes de um gênero que virou uma palavra proibida -aquele que começa com ``b".
Tudo bem, não adianta esconder: é besteirol.
São dessa época alguns trabalhos geniais -nas suas bobagens- como ``Bar Doce Bar", `À Porta", ``C de Canastra" e a talvez mais absurda de todas ``Família Titanic", que Pedro Cardoso afirma de boca quase cheia que foi um tremendo fracasso.
No caso dessa última, o autor, Mauro Rasi, desenvolveu ao menos uma trama -um concurso bizarro para escolher qual a melhor família do mundo, com quesitos como ``a família é popular no bairro?"
Mas a estrutura dos outros espetáculos -marcos, ainda que renegados, do besteirol- era mais solta ainda.
``Já no `Bar Doce Bar', a gente tinha uma preocupação quanto à maneira pela qual os esquetes deveriam se ligar, até que o Amir (Haddad) falou que aquilo era mesmo um show típico de cabaré. Daí não precisava mais ligação", diz Pedro Cardoso.
Haddad, que segundo o ator chegou na forma mais pura de um teatro brasileiro através de espetáculos de rua, está envolvido com Pedro desde então. ``Nos espetáculos do Cândido Mendes, não tinha muito como chamá-lo de diretor. Então, ele era supervisor."
Agora, em ``Autofalante" -que ainda tem a ajuda moderna dos vídeos de Marcelo Tas-, Haddad é oficialmente o diretor, ainda que isso tenha significado um envolimento não maior do que dois encontros por semana.
``Em um trabalho como esse (`Autofalante' é um monólogo) eu não preciso de ninguém para me pagear", diz Pedro. Assim, o trabalho com Haddah foi menos frequente, mas não menos eficiente.
Foi o diretor que, ao ler o texto escrito por Pedro Cardoso, sugeriu que ele seria de alguém falando sozinho na rua. ``Sabe esses caras, que falam sem se importar com quem está passando por ele? Pois é: um desses", explica o ator.
Quem conhece Pedro Cardoso só da TV talvez se assuste com a reverência com que ele se dedica a um personagem. TV nunca trabalha com profundidade, e ainda que a participação em ``TV Pirata" ou mesmo na recente novela ``Pátria Minha" tenham trazido elogios, é no palco que ele faz as maiores conquistas.
Pedro Cardoso desconfia do ator que põe muito de si ao interpretar. ``Tem gente que chega já querendo mexer em um personagem. Para fazê-lo bem, você tem quase que pedir licença para esse personagem, saber como você vai entrar no seu mundo", diz Pedro.
Ele continua: ``O ator tem que se lembrar de que teatro é criação. Assim, um personagem tem todo direito de viver em um universo ou ter uma história que não tem a ver com referências reais."
Uma vez defendido esse ponto, Pedro passa à sua outra convicção de ator: ``Teatro é diversão", diz. ``Tem que ser."
E assim ele chega finalmente a ``O Autofalante", onde Pedro Cardoso junta tudo e sobretudo a diversão.
Aliás, especialmente nesse aspecto, este não é um Pedro Cardoso muito diferente daquele do horário alternativo de segunda no Cândido Mendes.
Será que ele também acha que é o mesmo?
``O Felipe morreu, né", diz Pedro sobre o companheiro de palco. ``Só por aí, é impossível dizer que nada mudou".
Para quem quiser avaliar, Pedro Cardoso está em São Paulo a partir de amanhã falando sozinho.
Provavelmente para uma platéia fascinada.

Texto Anterior: Higuita é goleiro na hora da criação
Próximo Texto: Denise Fraga foge da imagem de gaiata
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.