São Paulo, quarta-feira, 4 de outubro de 1995
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"Rosas Selvagens" aponta para catástrofe

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DO MAIS!

Faltam selvagens no cinema francês atual, na mesma medida em que faltam civilizados nos outros cinemas.
Faltam ao cinema francês aqueles seres que ponham em xeque toda sociabilidade, que ao menos interpelem a burguesíssima cultura francesa e sua pretensão de ser o solo providencial da civilização.
Mas não será isto um mérito do cinema francês em tempos de barbárie, cinematográfica inclusive? Por isso, chama a atenção um filme, lançado em vídeo, cujo nome é ``Rosas Selvagens".
O diretor André Techiné tinha ao seu alcance um pequeno, mas expressivo conjunto de personagens: um camponês, um homossexual, um argelino-francês e uma garota comunista -todos adolescentes nos anos 60.
As trocas sentimentais entre eles e seu florescimento sexual constituem o centro da trama, filmada originalmente para a TV.
Nas mãos de Techiné esse ``plot" comum se transformou numa observação minuciosa sobre o modo como certas emoções primeiras da juventude, ao mesmo tempo em que se acercam do paraíso, apontam a catástrofe.
Há um certo voyeurismo eivado de nostalgia no diretor, mas o melhor está na sua linguagem de closes e, sobretudo, na montagem dos closes em movimento.
Seguir o movimento dos olhares é mais que um recurso de estilo do diretor. É um esforço de apreender o instante em que este conjunto intratável de afetos ocupa e interpela o mundo com sua inocência.
O mundo ``interpelado", no entanto, não responde. E daí a excelência dos instantes finais deste filme (que, aliás, evita as sequências brilhantes). Ali, a paisagem deixa de ser um pano de fundo bucólico para tornar-se verdadeiro ``labirinto de pequenos suspenses", como se Hitchcock filmasse ``Passeio ao Campo", de Renoir.
A sequência culmina num imprevisível movimento de câmera que parece devolver ao espectador toda expectativa alimentada pelo filme e que nele só se resolve de um modo muito vago.
O espectador salta do posto de ``voyeur" para o de ``contemplador" de uma imagem propriamente selvagem do mundo, no que ela tem de oco narrativo, de nada emocional, de vacuidade de sentido. Como se fosse preciso entregar a cada um a sua própria existência -e o pensamento de tudo que nela se foi perdendo, à toa.
Vale recordar que ``roseaux", ao contrário do que o título brasileiro induz pensar, não é ``rosas", mas ``caniços selvagens".
E um leitor de Pascal recordaria que ``o homem não passa de um caniço (`roseau'), o mais fraco da natureza, mas um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: bastam um vapor, uma gota de água para matá-lo. Mas mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e sabe a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso" (``Pensées", 347).
O filme de André Techiné parece ser uma elucidação modesta, à flor da pele, deste pensamento de Pascal. Só que ele não adota a perspectiva do universo inteiro, mas a da gota d'água e a do vapor.

Filme: Rosas Selvagens
Produção: França, 1994
Direção: André Techiné
Elenco: Elodie Bouchez, Ga‰l Morel, Stéphane Rideau, Frédéric Gorny
Lanaçamento: Look/PlayArte (tel.: 011/575-6996)

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