São Paulo, quarta-feira, 4 de outubro de 1995
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Falta de provas beneficiou Simpson

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Sem provas, não se condena ninguém. A dúvida e a fragilidade das evidências de culpa beneficiam o réu. É assim em qualquer país dito civilizado. Não é porque o homicídio existiu que alguém deve ser punido criminalmente.
O caso Simpson é apenas mais um crime que pode ficar sem solução, e o crime insolúvel é potencialmente menos grave que a possibilidade do erro judiciário. Evidentemente, as duas hipóteses geram insegurança social. Mas a condenação injusta de uma pessoa, só para combater o sentimento de impunidade, provoca sempre uma desmoralização profunda do poder público.
É dever do Estado provar a culpa da pessoa. Não é o réu que deve provar sua inocência.
Se não há testemunhas presenciais, se a arma do crime não foi encontrada, se faltam provas "visíveis da autoria do delito, a acusação deve trabalhar só com indícios. Nesse caso, o acusador deve convencer o juiz ou os jurados pelo encadeamento lógico de circunstâncias que comprovariam, indiretamente, a culpa do réu. É muito mais difícil, mesmo num país como os EUA, que abriga a mais sofisticada máquina policial e judicial do planeta.
Esse julgamento chamou a atenção por ter se transformado em autêntico entretenimento público. As pessoas acompanharam o caso pela TV, como se fosse uma novela, tomando partido, elegendo O. J. Simpson à condição de mocinho ou de bandido.
A publicidade intensa (o excesso de exposição do julgamento na mídia), é, na verdade, uma faca de dois gumes: por um lado, assegura transparência ao processo; por outro lado, permite o prejulgamento do réu, independentemente das provas concretas.
O componente racial foi outra característica do caso. Num país racista, onde historicamente muita gente foi condenada em virtude da cor da pele, existia a desconfiança de que, mais uma vez, as suspeitas policiais levantadas contra Simpson eram fruto de uma conspiração.
As pessoas deveriam ser julgadas com base nos fatos contidos no processo. Mas nem sempre é assim. Fatos são fatos, nada têm a ver com a raça do réu, com a qualidade da vítima ou com o sentimento das pessoas comuns em torno das investigações. Quando a certeza processual da culpa dá lugar a sentimentos estranhos, a Justiça pode se transformar num organismo assustador e perigoso.

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