São Paulo, quinta-feira, 5 de outubro de 1995
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Reforma tributária: caminho para a distribuição de renda

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

O Partido dos Trabalhadores apresentou, nesta semana, sua proposta de reforma tributária, baseada numa ampla discussão promovida entre seus membros e diversos setores da sociedade. A proposta está situada como parte de uma concepção global de estabilização que dá maior ênfase ao ajuste fiscal em contraste com a ``ancoragem" cambial e a manutenção de elevadas taxas de juros, que caracterizam a política econômica do governo.
O sistema tributário é o instrumento adequado para conciliar os objetivos de estabilização e distribuição de renda, pois propicia os recursos não-inflacionários necessários para o financiamento de gastos expressivos na área social, elemento indispensável de uma política econômica voltada para a distribuição de renda e o combate à miséria.
A cobrança de tributos precisa ser sempre legitimada por uma demonstração clara de controle efetivo sobre o nível e a qualidade do gasto público, particularmente no Brasil, onde é generalizada a percepção de que existe má gestão dos recursos arrecadados pelo Estado.
O combate à evasão permite a incorporação de setores que hoje se encontram irregularmente à margem do sistema tributário e a consequente redução de tributos que incidem excessivamente sobre a classe média e trabalhadores. O fundamental é a melhor administração dos impostos existentes, evitando a criação de novos tributos e soluções improvisadas, como a prorrogação do Fundo Social de Emergência por mais quatro anos.
Não há na proposta governamental de reforma tributária elementos suficientes para corrigir as distorções distributivas e alocativas do atual sistema de forma transparente e duradoura. Ela procura dar sobrevida a uma forma incivilizada de condução de política econômica, que gera desemprego, como forma de conter a inflação e promover o equilíbrio externo, e desvia recursos orçamentários das áreas sociais para o pagamento de juros da dívida. Além disso, a proposta do governo procura aumentar o poder e os recursos da União, em detrimento dos Estados, municípios, contribuintes e do Legislativo.
A proposta do PT pretende alterar uma realidade perversa do sistema tributário atual, em que os rendimentos do capital pagam uma alíquota efetiva média de 8%, contra uma média de 38% nos países do G-7; 17% sobre o consumo, contra 13% naqueles países; e 19% sobre o trabalho, contra 33%, conforme mostra estudo da Receita Federal.
A sonegação e a elisão (o chamado ``planejamento tributário") crescentes dos impostos diretos, sobre pessoas físicas e jurídicas, contribuem para que o sistema tributário seja fortemente regressivo. O PT propõe a elevação da progressividade do Imposto de Renda sobre a pessoa física, fazendo as alíquotas marginais variarem de um mínimo de 5% até um máximo de 50%. A introdução de uma alíquota de 50%, porém, não significa recolher metade das maiores rendas, pois essa alíquota incide somente sobre a parcela da renda que ultrapassa determinado limite.
O governo tem soltado ``balões de ensaio" em direção à redução da progressividade do IRPF, com a eliminação da maior alíquota hoje, de 35%. A experiência internacional aponta em direção inversa, já que a maioria dos principais países desenvolvidos aplica alíquotas máximas iguais ou superiores a 50%, o que ocorre também no Chile.
Não há como justificar proposta desse tipo num país de renda extremamente concentrada como o Brasil, único caso em que os 10% mais ricos detêm mais de 50% da renda total e onde os 40% mais pobres detêm apenas 7%, segundo relatório do Banco Mundial. O PT propõe, ao contrário, que a maior progressividade do Imposto de Renda seja acompanhada da instituição do imposto de renda negativo para os setores de baixa renda, por meio do Programa de Garantia de Renda Mínima.
É premente a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição, mas que não tem recebido apoio do governo no sentido de acelerar sua implementação, apesar do presidente Fernando Henrique Cardoso ter sido o autor do projeto inicial. Esse seria o primeiro imposto a incidir exclusivamente sobre os ricos e que não oneraria a classe média e os trabalhadores, conforme observou Osires Lopes Filho.
O governo propõe corretamente a redução das alíquotas do Imposto de Renda das pessoas jurídicas, mas é tímido quanto à redução das isenções e incentivos, além de propor a retirada das alíquotas adicionais que imprimem um caráter de progressividade também a esse imposto. O governo procura retirar possíveis ambiguidades constitucionais que permitem a contestação do princípio da progressividade do IPTU, enquanto o PT pretende tornar a progressividade obrigatória para todos os impostos patrimoniais. Quanto ao ITR, consideramos importante preservar a capacidade da União em utilizá-lo como instrumento de reforma agrária e de política fundiária, com a possibilidade de que possa ser cobrado pelos municípios por meio de convênio.
Concordamos com a flexibilização do sigilo bancário para fins de fiscalização tributária federal, que não pode ser confundida com a possibilidade de divulgação de dados da intimidade do contribuinte. Para tornar essa questão mais clara, nossa proposta reforça o sigilo fiscal como preceito constitucional. O combate à evasão fiscal não se restringe à flexibilização do sigilo bancário, mas depende também do fortalecimento da administração tributária. Essa é a forma mais eficiente de reduzir a elevada carga tributária sobre a classe média e pobre.
Queremos um sistema fiscal que, do lado da arrecadação, cobre proporcionalmente mais dos setores de renda e patrimônio elevados e, do lado da despesa, seja transparente e tenha como prioridade as necessidades da população, definidas da forma mais democrática. Cada contribuinte terá maior propensão de melhor cumprir seu dever como cidadão somente na medida em que tiver a convicção de que seus recursos estejam sendo aplicados em ações justificáveis, que venham a melhorar o bem-estar de todos e a saúde da nação.

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