São Paulo, segunda-feira, 9 de outubro de 1995
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Rennó tira a imagem da fotografia

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Rosângela Rennó
Onde: Galeria Camargo Vilaça (rua Fradique Coutinho, 1.500, tel. 210-7390, Vila Madalena, zona oeste)
Quando: de quarta-feira, às 20h, a 2 de novembro. Aberta de segunda a sexta, das 10h às 20h, e sábados, das 10h às 14h.
Preço: US$ 20 mil (a instalação) e US$ 8 mil (cada objeto)

Tudo tem a ver com a fotografia. Só não tem a imagem. A instalação ``Hipocampo", que Rosângela Rennó mostra na galeria Camargo Vilaça a partir desta quarta-feira, poderia ser resumida assim.
``Hipocampo" consiste em quinze textos distribuídos pelas paredes. Os textos, retirados de jornais, contam histórias de alguma forma ``fantasmagóricas", diz a artista.
Os textos aparecem em letras distorcidas, em perspectiva, como se estivessem em movimento. A luz do espaço onde estão expostos fica acesa por cerca de 40 segundos, quando não se consegue ler nada. A luz se apaga e os textos, pintados com tinta fosforescente, saltam da parede. Até começarem a esvaecer. Isso dura uns cinco minutos e então a luz se acende novamente e tudo recomeça.
O visitante precisa de várias sessões de luz apagada para conseguir ler todos os textos e formar, em sua cabeça, todas aquelas imagens. Sim, porque o que interessa a Rosângela Rennó são as imagens, embora elas não estejam lá.
``Hipocampo", o nome da instalação, é o lugar do cérebro onde hoje os cientistas acreditam que fica a memória. É também uma figura da mitologia, um animal que é metade cavalo metade peixe, um cavalo-marinho fantasmagórico.
``A memória é muito trapaceira e a fotografia também", diz Rosângela Rennó. A memória é seletiva: só lembra o que quer e da maneira que quer. A fotografia, a imagem, parece o real, mas não é.
Usando textos para suscitar imagens, em vez de usar as imagens diretamente, a artista pretende levar ao extremo o fato de que duas pessoas nunca vêem uma mesma imagem da mesma maneira. Ou que uma pessoa nunca vê (ou pensa) duas vezes uma mesma imagem da mesma maneira.
Um dos textos refere-se a uma imagem que a maioria das pessoas já viu: a da garota nua fugindo da bomba em Hiroshima. Outros, falam de imagens que nem sequer são possíveis na realidade, como a de um diabo -mas com certeza presente em formas múltiplas na cabeça de todas as pessoas.
Rosângela Rennó diz que a escolha dos textos foi norteada pelo impacto que estes podem ter. ``A descrição de uma imagem força a pessoa a criar uma imagem mental que é individual", diz.
``Essa é a mola mestra da instalação: formar representações fotográficas na cabeça", diz Rosângela. Fotógrafa, ela diz que se interessa mais pela história e pelas possibilidades da fotografia. ``Meu trabalho é uma espécie de entendimento do universo fotográfico."
Os textos na parede, que precisam ser lidos para a imagem ``aparecer" na cabeça, são a antítese do instantâneo fotográfico, ``das imagens prontas que bombardeiam as pessoas", diz a artista.
Em sua exposição na Camargo Vilaça, Rosângela Rennó mostra também três objetos. ``Black Hole", um livro com um cubo espelhado dentro, ``Private Colection", um tijolo de fotos coloridas dela e de sua família, feitas entre 1978 e 1982 (mas que não se consegue ver), com o título escavado no bloco de fotos, e ``Private Eye", dois dicionários com o formato de sua câmera fotográfica esculpido neles.

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