São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 1995
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Fazer e pensar

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Vamos admitir, só para efeito de raciocínio, que seja correta a alegação (razões particulares) de Edmar Bacha para deixar a presidência do BNDES. É a mesma, aliás, de Pérsio Arida, quando renunciou ao comando do Banco Central, alguns meses atrás. Ou de André Lara Resende, bem antes.
O fato é que os principais autores intelectuais dos dois planos de estabilização mais falados da República deixaram o governo antes de que se pudesse comemorar, de fato, o triunfo de suas criaturas. Ou, no caso do Plano Cruzado, antes que se pudesse enterrá-lo de vez.
O Real até que está sobrevivendo mais tempo e com maior galhardia do que seu primo distante e fracassado. Mas não dá ainda para se dizer que deu certo mesmo.
Fica a sensação de que, no Cruzado como no Real, seus pais intelectuais desconfiaram da robustez do rebento ao menos no que se refere ao seu lado fiscal. Inventaram, em cada momento, fórmulas imaginativas para quebrar a tal de inércia inflacionária, na expectativa de que, depois, viria um ajuste efetivo das contas públicas.
No caso do Cruzado, não veio, como se sabe, e eles se retiraram de cena, sem muito estardalhaço, mas deixando mais ou menos claras as razões pelas quais o estavam fazendo.
Agora, o estardalhaço é menor ainda, as razões ainda menos explicitadas, mas a situação não difere muito. O simples fato de o governo estar solicitando a prorrogação por quatro anos do Fundo Social de Emergência é a prova de que as contas do governo continuam desarrumadas.
Não sei se é essa a razão de fundo para a saída de cada um deles. Mas fica, de todo modo, a sensação de que lustrosos currículos acadêmicos têm uma enorme dificuldade em manter-se por muito tempo em funções públicas.
É verdade que permanecem no poder outras biografias do gênero. Mas a grande maioria é formada por gente que faz (bem ou mal, não vem ao caso agora) e não por pensadores. Permite até supor que há uma certa incompatibilidade entre fazer e pensar, ao menos no que se refere à função pública. Será?

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