São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
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O Orçamento de 1996: algumas explicações

FABIO GIAMBIAGI

É hora de elevar o nível do debate e fazer uma análise mais séria do OGU
O Orçamento Geral da União (OGU) de 1996 foi enviado ao Congresso no final do mês de agosto e, como é natural, vem gerando uma série de polêmicas. Causa espécie, porém, ver como afirmações que constituem claramente um equívoco ganham ares de verdade por força da sua repetição. É preciso, portanto, esclarecer alguns pontos básicos, para repor a discussão do OGU nos eixos e evitar que se continue perdendo tempo debatendo em torno do absurdo.
O OGU vem sendo questionado com base em sete argumentos.
a) "O OGU está mal feito, porque tem indexadores diferentes para diferentes variáveis. Seria de espantar se não fosse assim. Uma empresa que venda um produto, cujo preço espera-se que aumente, e venda outro, cujo preço é muito provável que caia, estaria fazendo um mal planejamento supondo que a receita futura desses dois produtos fosse evoluir ao mesmo ritmo.
Da mesma forma, o governo trabalhou com: (i) um inflator da receita fiscal, relacionado com a inflação média de 1996; (ii) um coeficiente associado à despesa previdenciária, afetada pela mudança do salário mínimo em maio, a ser determinada pela inflação de maio de 1995 a abril de 1996; e (iii) um percentual de reajuste da despesa com pessoal, dado pela disponibilidade de recursos, já que, se o governo conceder a inflação "cheia, o gasto com funcionalismo atingirá níveis explosivos. Portanto, os indexadores são diferentes, mas não há nada de errado nisso.
b) "É um absurdo planejar em função de receitas que não foram aprovadas. Trata-se de um argumento que não tem lógica. O que o governo está dizendo é: "Se o projeto tributário X for aprovado, os recursos serão destinados a isso e aquilo. Nada mais transparente, portanto. A alternativa seria não definir onde esses recursos seriam gastos. Teríamos então duas possibilidades.
A primeira seria não fazer nada: nesse caso, o governo teria mais receita, sem gastá-la, impondo uma carga tributária maior à sociedade, sem qualquer benefício.
A segunda seria o governo enviar depois ao Congresso um projeto de crédito suplementar, esclarecendo onde seriam alocados os recursos oriundos da nova legislação. Nesse caso, teríamos uma grande perda de tempo, discutindo em duas etapas, com duas negociações e duas comissões diferentes, o que pode ser tratado de uma vez. A crítica quanto a esse ponto, portanto, não se sustenta.
c) "O OGU embute um grande déficit, porque se os projetos tributários não forem aprovados haverá gastos não financiados. Isso é uma agressão aos fatos. O OGU esclarece que há despesas condicionadas à aprovação de novas fontes de receita. Caso estas não sejam aprovadas, as despesas não serão feitas.
A questão pode ser associada à previsão de gasto de um indivíduo que espera ganhar um aumento e que, se isso ocorrer, prometeu à esposa comprar uma TV para substituir a TV antiga. Se a previsão se concretizar, a nova TV será adquirida. Se o aumento não ocorrer, a velha TV continuará no lugar e a esposa ficará frustrada, mas o gasto do indivíduo não vai aumentar.
Supor que o governo poderá ver a sua receita ser frustrada e mesmo assim gastar a despesa vinculada a uma receita inexistente é não ter idéia de como o governo funciona e de como operam a Secretaria do Orçamento e a Secretaria do Tesouro Nacional.
d) "O governo subestimou os juros. É mais um equívoco dito como se fosse uma grande verdade. A taxa de juros real anualizada (over) dos primeiros oito meses de 1995 foi de 31%. O governo federal deverá gastar, em 1995, 1,5% do PIB de juros. Os juros, porém, cairão em 1996, o que explica a previsão de gasto com juros de 1% do PIB. Supor que a despesa com esse item vai ser maior do que isso é admitir que a taxa de 1995 vai se manter em 1996, o que não é realista.
e) "A receita de privatização encobre um déficit. Este é o maior disparate de todos. No OGU, a receita de privatização é utilizada para abater dívida, logo, não é déficit. Repetir aquela inverdade é como dizer que o mar é amarelo: cada um é livre para falar o que quiser, mas isso atenta contra as evidências.
f) "O OGU privilegia os Estados governados pelo PSDB, em detrimento do Norte e do Nordeste. Trata-se de um sofisma. O OGU dá mais recursos aos Estados governados pelo PSDB pelo mesmo motivo que um adulto de 25 anos come mais do que uma criança de seis meses.
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são Estados governados pelo PSDB, mas são também os maiores Estados do país. É natural que recebam o maior montante individual de recursos.
Mesmo assim, cabe notar que eles recebem proporcionalmente menos que os demais: juntos, aqueles três Estados, que têm 41% da população do país, vão receber menos de 29% dos recursos de projetos do OGU (incluindo investimentos e ações continuadas), desagregados por região.
Ao mesmo tempo, o Norte e o Nordeste, com 36% da população do Brasil, vão receber 46% dos recursos. Falar em discriminação contra essas regiões, portanto, é totalmente incorreto.
g) "A verba da saúde cairá, em termos reais, se a Contribuição sobre Movimentação Financeira não for aprovada, porque sua dotação nominal é a mesma que a de 1995. É um argumento que pareceria ter lógica: se o valor nominal for mantido, qualquer que seja a inflação -desde que maior do que zero-, o valor real cai.
A falha do argumento é que deixa de levar em consideração que em 1995 o Ministério da Saúde teve gastos -como a devolução do empréstimo que tinha tomado no FAT ou o pagamento extra de contas atrasadas- que não vão se repetir em 1996, de modo que, feitos esses ajustes, os recursos que terá de fato disponíveis para gastar em 1996 vão ser maiores do que os de 1995.
Conclui-se que nenhum dos sete argumentos é válido. É hora, portanto, de elevar o nível do debate e fazer uma análise mais séria do OGU. Pela primeira vez, em muitos anos, a estabilização tirou o caráter de ficção que caracterizava os orçamentos anteriores. Não deveríamos, então, desperdiçar essa oportunidade.

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