São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
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O delírio de Eça

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - As condições em que Cabral descobriu o Brasil não prenunciavam boa coisa. Despachado em direção às Índias, o navegador aportou na Bahia graças a uma barbeiragem náutica.
Na fase do Império, o Brasil conservou a aparência de piada de português. Uma anedota sem graça. Proclamada a República, transformou-se em dúvida.
Eça de Queiroz fez, em artigo da época, uma previsão fúnebre: ``Com o (fim do) Império, segundo todas as probabilidades, acaba também o Brasil".
O texto saiu na ``Revista de Portugal". Foi republicado em livro de 1929. Nas palavras de Eça, ``as rivalidades entre as províncias (...) e a força das ambições locais" levariam o Brasil à divisão.
``Daqui a pouco", escreveu, ``o que foi Império estará fracionado em Repúblicas independentes, de maior ou menor importância". As palavras fluíram sob o efeito dos telegramas que chegavam do Brasil, após filtragem da censura republicana.
A pena míope de Eça enxergou a reprodução em série de Deodoros da Fonseca por todo o território brasileiro. Em meio aos palpites equivocados, Eça pingou no papel uma frase premonitória.
Ei-la: ``Já de certo em Mato Grosso há um Deodoro que afivela a espada". Um século depois, o marechal da crônica de Eça como que reencarna na figura do governador Dante de Oliveira.
Sem reais para pagar o funcionalismo estadual, o Mato Grosso desgrudou-se do Brasil, criando sua própria moeda, a ``pantaneta". E, como a falência dos cofres estaduais é generalizada, Brasília saiu em socorro dos Estados. É a ajuda do roto aos esfarrapados.
Para tentar conter a proliferação das ``pantanetas" e evitar o surgimento de ``alagonetas" e ``piauietas", o governo prepara a liberação de recursos para o Mato Grosso, Alagoas e Piauí. A benesse será estendida a outros Estados falidos.
A súbita generosidade de Fernando Henrique não resolve o problema. O remédio, como se sabe, não está na expansão, mas na eliminação de gastos. Há uma conspiração em curso para tornar verdadeiras as alucinações de Eça de Queiroz. O Brasil será aniquilado não pela divisão de suas províncias, mas pela solidariedade hedionda da federação republicana.

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