São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
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Muito para poucos

JANIO DE FREITAS

Se o governo gasta 52% da folha de pagamento com apenas 10,3% dos funcionários, que são os 60 mil detentores de cargos de confiança, e os demais 520 mil custam só 48% da folha, é evidente a existência de uma aberração que, embora devesse ser o motivo da reforma administrativa em exame no Congresso, não foi por ela considerada, nem poderia ser por ela resolvida racionalmente.
Os números estão sendo levados aos parlamentares pelas associações de servidores públicos para demonstrar que o governo, não pretendendo uma reforma da estrutura administrativa que reduza expressivamente os cargos de confiança, terá que fazer a diminuição do custo do pessoal demitindo nos níveis mais baixos do funcionalismo. Seriam os "bagrinhos" pagando pelos "marajás".
O argumento toca em um ponto fundamental e, no entanto, desprezado na discussão do projeto do governo: o que se poderia entender por reforma administrativa, com a reestruturação que desse maior funcionalidade e eficácia à máquina burocrática, sequer figurou como cogitação nos nove meses e meio do governo. Mas essa é a reforma que reúne a unanimidade das opiniões fora do Congresso, e não, como escreve o ministro Bresser Pereira, o seu projeto.
Os números levantados pelas lideranças do funcionalismo não têm influência no que ainda está em discussão, e deve ser votado hoje, entre parlamentares. Por ora, o problema é a discutível adequação do projeto aos princípios constitucionais. E a tendência perceptível ontem era que os votos decisivos na Comissão de Constituição e Justiça sejam determinados bem à maneira do político brasileiro atual. Para não contrariar o governo, mesmo os que consideram o projeto inconstitucional -ou a maioria deles- votaria por sua aprovação, alegando que o problema da constitucionalidade será depois apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, são contrários, mas serão favoráveis. E haja caráter.
O arranjo malandro, que leva a perguntar por que não se extingue logo a Comissão de Constituição e Justiça, foi propagado pelo vice Marco Maciel sob o argumento de que "não se pode juridicizar a política". Quer dizer, quem faz leis e emendas constitucionais não precisa se preocupar com a legalidade e a constitucionalidade dos seus feitos.
Uma tese, esta, que não esconde o seu fundamento tático: o Supremo não tem faltado aos governos com sentenças políticas, e não de Direito (lembremos que estes altos magistrados, incumbidos de zelar pela Constituição que consagra o direito à propriedade, deram como constitucional até o sequestro da poupança e das contas-correntes bancárias).
Nada está fugindo à regra, portanto, na tramitação do projeto governamental. Mas a regra, no caso, estenderá e agravará o problema para o governo, supondo-se que lhe seja mesmo essencial reduzir a folha de pagamento, e para o funcionalismo instabilizado. A regra pode funcionar, mas não é boa. É tipicamente dos dirigentes brasileiros, então.

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