São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
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Cardoso amadurece em "Autofalante"

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais conhecido por sua presença nas diferenciadas produções de Guel Arraes na televisão, o ator carioca Pedro Cardoso é também aquele que melhor fez -com menos acidentes e com menos violência- a passagem do chamado teatro besteirol para o teatro, digamos, sério.
Em cartaz no teatro Hilton em horário alternativo, certamente não por falta de público, nem por falta de sala em horário regular, mas de tempo, o comediante mostra como amadureceu sem precisar conceder demais à bilheteria, sem precisar passar pelo melodrama, como fizeram tantos.
Pedro Cardoso optou -ao menos é este o resultado- por radicalizar o teatro besteirol, e não deixá-lo para trás.
No palco, como os melhores comediantes, está agora sempre no limite do risco, nos extremos. Parece estranhamente uma mescla de inocência e perversidade, de fraqueza, de debilidade e de agressão, de força.
Não poderia ter encontrado um tom melhor de interpretação, para o personagem de "O Autofalante". Um personagem urbano, entre a classe média baixa e a miséria, inteiramente solitário, talvez louco, com as reações mais disparatadas diante da realidade do Brasil, com as opiniões mais descabidas diante de tudo.
Um brasileiro que fala consigo mesmo, que está perplexo consigo mesmo e sobretudo com as pessoas e o país à sua volta. Um brasileiro de dar pena, mas também de dar medo, do qual não se sabe o que esperar -um reflexo distorcido, mas que se poderia dizer perfeito, da realidade.
A imagem do personagem talvez fique mais clara para o leitor com a lembrança do programa político do Partido dos Trabalhadores, há mês e meio, em que Pedro Cardoso fez o mesmo papel, em várias esquetes.
Mas um problema de "O Autofalante" talvez esteja exatamente aí, nas mesmas esquetes. Também dramaturgo, Pedro Cardoso buscou reunir as cenas numa narrativa única, buscando alguns instantes de ligação -como que num esforço para sair do teatro de revista em direção à comédia regular.
O resultado é que algumas ou muitas das esquetes não se desenvolvem, antes parecem tolhidas pela necessidade de uma trama circular, fechada.
Melhor talvez fosse deixar a ligação entre as cenas exclusivamente para os vídeos do também amadurecido Marcelo Tas, que surgem aqui e ali na apresentação -e que, com extrema qualidade visual e um inesperado impacto dramático, já costuram "O Autofalante" o bastante.
Sozinho, "autofalante", sem a companhia do adorável Felipe Pinheiro, com quem fez dupla em grandes comédias durante a última década, Pedro Cardoso hoje se revela um humorista pleno, dos maiores na comédia chamada de "stand-up", no Brasil.
Lembra nomes e qualidades de artistas contemporâneos como Spalding Gray, ou como Sandra Bernhard. Ou, como ele próprio mencionou, Jô Soares.

Título: O Autofalante
Autor: Pedro Cardoso
Direção: Amir Haddad
Vídeos: Marcelo Tas
Quando: De segunda a quarta, às 21h
Onde: Teatro Hilton (Av. Ipiranga, 165, tel. 256-0033)
Quanto: R$ 18,00 (segunda) e R$ 20,00 (terça e quarta)

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