São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
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Lucas, o Nobel

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Todos os economistas sabiam que a atribuição do prêmio Nobel a Robert E. Lucas Jr. era apenas uma questão de tempo. O que há de interessante em Lucas é que se graduou em história (1959) em Chicago e deslocou-se para Berkeley para doutorar-se. Descobriu no caminho que "as forças econômicas são as forças centrais da história" e decidiu conhecer um pouco de economia.
Em lugar de perder-se como mais um historiador marxista ou institucionalista, como seria de esperar, transformou-se num autodidata em matemática, explorou a econometria do mercado de trabalho e produziu modelos de grande complexidade e extrema beleza, mas que sugeriam estranhas conclusões. Levou às últimas consequências, com lucidez e perseverança, uma certa "racionalidade".
Poucos economistas terão a honra de serem identificados como criadores de uma "escola". Esse é o destino de Lucas: ser definitivamente associado à criação da nova economia clássica. Depois do completo domínio do keynesianismo e da reação monetarista nos anos 70, ambos dominados por uma certa visão holista da macroeconomia, retornamos ao individualismo metodológico.
Na verdade, a nova economia é a volta à concepção de que a economia é um conjunto de atores que perseguem, consistentemente, a maximização de alguns objetivos bem definidos. Os indivíduos e as empresas formulam suas ações de maximização ou minimização intertemporal com base no melhor conjunto de informações disponíveis. Esse é o fundamento microeconômico da macroeconomia. O permanente equilíbrio dos mercados mais a expectativa racional na macroeconomia constituem a essência da nova economia clássica.
Na criação da sua macroeconomia com expectativas racionais, Lucas demoliu, de passagem, as grandes esperanças de construção de modelos econométricos para formular políticas econômicas quando mostrou que os parâmetros de tais modelos dependiam, justamente, das expectativas sobre as próprias políticas econômicas.
A diferença entre a economia keynesiana e a nova economia clássica é radical. Os keynesianos têm dúvidas sobre as virtudes do mercado, enquanto a nova economia crê que ele é feito de agentes racionais. Os keynesianos pensam que a oferta só é importante no longo prazo, enquanto a nova economia destaca o seu papel no curto prazo. Os keynesianos têm fé na ação das políticas monetárias e fiscal para controlar a demanda, enquanto a nova economia tenta mostrar a sua irrelevância. Os keynesianos falam das "falhas" do mercado, enquanto a nova economia fala das "falhas" do governo.
Há muitas dúvidas sobre todas essas proposições, sobre a própria concepção da "expectativa racional" (que envolve uma particular definição de "racionalidade") e sobre o futuro da nova economia clássica. Mas não há a menor dúvida de que Lucas obrigou os economistas a encarar de outra forma não apenas a macroeconomia, mas a política econômica. Esta é vista hoje como uma espécie de jogo entre os agentes privados (que aprendem) e o governo (que tem propensão a enganar), e onde, portanto, a credibilidade é fator essencial. É por isso que as expectativas não se formam no passado, mas alcançam o futuro.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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