São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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A propósito da LDB

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO

A Carta Magna de 1934 introduziu pela primeira vez em um texto constitucional brasileiro diretrizes para a elaboração de um Plano Nacional de Educação. Com isso eram atendidas tanto as aspirações de educadores comprometidos com a renovação do sistema educacional brasileiro como as exigências resultantes das mudanças em curso no país, decorrentes dos movimentos culturais, socioeconômicos e políticos das décadas de 20 e 30.
A partir dessa iniciativa o Congresso Nacional legislou sobre a matéria em diferentes ocasiões e em circunstâncias políticas distintas e, somente 27 anos após a Constituição de 34, em 1961, foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que vigora até os nossos dias. Aliás, apenas a tramitação dessa lei, a 4.024/61, cujo projeto foi enviado à Câmara Federal em 1948 em decorrência da Constituição de 46, arrastou-se pelo Congresso durante 13 anos. Bem mais tarde foram editadas as leis 5.540/68 e 5.692/71, que dispõem respectivamente sobre o ensino superior e o de 1º e 2º graus.
A proposta de LDB, em tramitação no Congresso já há sete anos, deverá revogar todos os textos legais em vigor, daí a sua importância, o debate e as discordâncias que vem suscitando.
O projeto da nova LDB é fruto de um longo processo de elaboração, desenvolvido com a participação de entidades do setor educacional e aperfeiçoado mediante substitutivos, versões e emendas apresentadas. Introduzido no Congresso em 1988, o projeto evidenciou em sua tramitação o reflexo do momento histórico e político em que vivíamos -a redemocratização que então se realizava após os longos anos de regime militar.
Isso explica a mobilização nacional, a ânsia de participação e as pressões de diversos setores da sociedade no sentido de incorporar ao projeto seus interesses específicos.
O projeto passou por diversos relatores na Câmara, que o aperfeiçoaram em sucessivas versões com o auxílio de sugestões de entidades da área educacional, vindo a ser aprovado em maio de 1993. Encaminhado ao Senado, foi relatado pelo senador Cid Sabóia de Carvalho, que o analisou criteriosamente, extirpando o que considerou "excessos de regulamentação e impropriedades em sua redação".
O parecer e o projeto substitutivo de Cid Sabóia foram aprovados na Comissão de Educação do Senado em novembro de 1994 com apoio das entidades e sindicatos de educação.
Entende-se, assim, o impacto causado nos meios educacionais em abril último quando o senador Darcy Ribeiro conseguiu trazer de volta ao cenário das discussões o projeto substitutivo de sua autoria, já agora em sua quinta versão. O projeto do respeitável antropólogo -ministro da Educação no governo João Goulart e primeiro reitor da Universidade de Brasília, sempre com atuação reconhecidamente competente- tem uma história paralela ao projeto originário da Câmara.
Já em 1992 Darcy Ribeiro elaborou e apresentou um novo projeto de sua própria autoria. Não logrando aprovação no Senado naquela oportunidade, o projeto passou por novas versões. Mais recentemente, reconhecida a juridicidade do substitutivo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o projeto de Darcy Ribeiro foi aprovado pela Comissão de Educação do Senado.
O cerne da questão -e das discussões- é a presença dos dois substitutivos na Comissão de Educação -o originário da Câmara, na forma do substitutivo Cid Sabóia, e o de Ribeiro-, o que vem acirrando o debate nos meios educacionais, radicalizando posições e motivando a apresentação de soluções conciliatórias.
É importante destacar que o projeto de Ribeiro incorporou, na forma de emendas, aspectos do substitutivo Cid Sabóia, o qual, por sua vez, já havia explicitado contribuições do projeto Darcy Ribeiro.
Em outras palavras, já houve incorporações recíprocas sem que isso tenha alterado o quadro de adesões e as resistências de ambas as partes.
Em resumo: do lado do substitutivo Cid Sabóia estão as entidades e sindicatos envolvidos com a educação. Já o projeto de Darcy Ribeiro tem a seu favor os méritos e a relevância da folha de serviços de seu autor.
Pesa desfavoravelmente ao substitutivo Cid Sabóia a acusação de conter aspectos corporativistas demais, ao passo que a principal crítica ao projeto de Darcy Ribeiro recai sobre os pontos de identidade com a política educacional do governo federal.
Acima dessas diferenças, todavia, há o fato de o Brasil estar necessitando com urgência de um instrumento da natureza da LDB, pois, ao mesmo tempo em que o país já iniciou sua corrida em direção à competição tecnológica mundial, ainda submete suas crianças e jovens a um sistema educacional que ensina pouco e mal.
Nesse momento, o que se pede do Congresso Nacional é dar prioridade à LDB. Considerando que agora, diferentemente do que ocorreu durante a tramitação da lei aprovada em 1961, a principal característica do embate não são as questões de natureza puramente ideológica; impõe-se a habilidade técnica e política para se consolidar, em uma proposta de conciliação, o que há de melhor nos dois projetos.
Afinal, não se deve descartar a contribuição de um intelectual do porte de Darcy Ribeiro nem desprezar a efetiva colaboração dos setores responsáveis pela ação educativa, a qual será importante para a implementação da LDB, e isso ocorrerá na medida em que eles se sentirem comprometidos com o novo diploma legal.
Sem essa participação voltaremos à fase da mera denúncia da política educacional e das mazelas do ensino que sob ela se desenvolvem. O processo de construção de uma educação competente, que satisfaça os interesses da nação, exige muito mais do que isso.

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