São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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A turma do ioiô

JOSÉ SARNEY

O Brasil é, hoje, um dos países do mundo onde o poder é exercido com a maior simplicidade, sem nenhuma pompa, sem artifícios e sem festas.
O ideal das virtudes republicanas era, sem dúvida, esse. O da austeridade dos costumes, um poder cidadão, que não se separa do comum da sociedade senão pela vontade do próprio povo.
O episódio Collor serviu para o recrudescimento das práticas públicas, cada vez mais sujeitas ao controle da lei e de seus órgãos constituídos.
Mas há um setor que sem dúvida, na administração pública, está fugindo a essas regras e costumes.
É o setor daqueles que lidam com o sistema financeiro, que assumiu uma atitude de nobreza, de casta organizada, de um segmento à margem do país que, dono de todos os poderes de monitorizar a economia, fazer ricos e pobres, está se dando ao luxo de ter grandes instalações, gabinetes de extraordinária ostentação e, mais ainda, uma estrada de duas mãos, uma certa co-habitação com o setor privado, de onde se vem e para onde se vai.
O ex-presidente Itamar Franco, quando senador da República, apresentou um projeto de lei proibindo todos aqueles que ocupassem cargos e que participassem de decisões econômicas de voltarem à vida privada imediatamente e se apresentarem como gênios financeiros.
Há exemplos de gente que estagia no serviço público como se fizesse uma estação de caça e, de volta ao setor privado, cheio de informações, cria instituições financeiras ou entra de sociedade em algumas delas e finalmente faz o milagre pela "competência" de, em poucos anos, acumular dezenas de milhões de dólares com a singularidade de dizer que são as mais competitivas do mercado.
Finalmente, deitam esses tecnocratas a ditar regras, a censurar os homens públicos que pensam diferentemente do que eles pensam e até mesmo a pregar que não se pode respeitar a lei e a invocar razões legais quando a seu ver precisam ser tomadas algumas decisões.
É que o estado de Direito é o estado da lei e não dos homens. O liberalismo, mais do que todos os sistemas econômicos, necessita da existência da lei.
É ela que garante os direitos, é ela que assegura que não fica somente na cabeça de um dirigente de um banco estatal fazer ricos tornarem-se pobres nem tecnocratas tornarem-se magnatas.
Ninguém, no sistema democrático, pode pregar o abandono da lei, a violação da lei sob a invocação de qualquer ordem. Fora da lei, já dizia Rui Barbosa, não há salvação.
Há poucos meses tomei parte em um seminário em Cartagena sobre o neoliberalismo e o estado de Direito. Ouvi de todos que onde não há lei, não há segurança para investir, onde não há lei não pode haver capitalismo.
Uma dessas leis que está nos faltando é a lei pensada por Itamar Franco, da proibição do efeito ioiô, do vai-e-volta, lá e cá, em uma promiscuidade entre o setor privado financeiro e o setor público. Reconheço que há homens de grande integridade que têm saído do setor privado para o setor público. Mas esses certamente gostariam da existência de uma lei regulando esse assunto.
Ela evitaria suspeitas, ela daria autoridade aos verdadeiros e convictos teóricos para dizerem o que pensam e não aos carreiristas de pontificarem e ganharem dinheiro à custa da invocação do interesse público.

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