São Paulo, sábado, 21 de outubro de 1995
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Mídia criou mito que prejudicou Garrincha

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

A carreira gloriosa e a vida trágica de Garrincha devem ser o principal assunto da semana que vem.
O lançamento de "Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha", a impressionante biografia do jogador escrita pelo jornalista Ruy Castro, vai recolocar em pauta velhas questões do mundo do futebol, como o papel que desempenham nesse meio empresários gananciosos e dirigentes esportivos despreparados.
A leitura do relato impressiona também por um aspecto mais delicado para nós, jornalistas. Trata-se dos detalhes que mostram como a imprensa esportiva ajudou a construir, em prejuízo de Garrincha, o mito que até hoje cerca o jogador.
Ao treinar pela primeira vez entre os jogadores profissionais do Botafogo, em 1953, Garrincha logo ganha reportagens em jornais, mas em algumas o seu nome aparece como sendo Gualicho, porque o repórter destacado para ver o treino e seu editor não gostaram do nome Garrincha.
Segundo Ruy Castro, entre os jornalistas dos anos 50 e 60, o que mais facilidade mostra para inventar casos sobre Garrincha é Sandro Moreyra, morto em 87.
Ruy credita a Sandro, entre outras, a invenção de uma famosa história sobre Garrincha, protagonizada pelo jogador após uma partida na Espanha, enquanto dava uma entrevista ainda no gramado. Ao final da conversa, o repórter do rádio pede a Garrincha que dê um "adios, ao micrófono". Ao que Garrincha teria dito: "Adios, micrófono".
Ruy Castro também põe na conta de Sandro Moreyra a lenda de que Garrincha chamava todos os seus marcadores, indiscriminadamente, de João. São histórias que, involuntariamente, ajudam a criar "o mito de um gênio infantil e quase debilóide, que não fazia justiça a Garrincha", escreve o biógrafo.
Mais grave ainda, inúmeros jornalistas têm consciência, já no final dos anos 50, que Garrincha e a cachaça não se relacionam, como se diz, apenas socialmente. As histórias sobre as escapadas do jogador durante os períodos de concentração são célebres, mas a imprensa constrói uma cortina de fumaça em torno do seu comportamento, talvez por julgar que a vida privada do jogador não seria de interesse da opinião pública.
A decadência posterior de Garrincha, devido ao alcoolismo, mostra que a imprensa poderia ter ajudado o jogador não escondendo, mas tornando público o mal que o afligia ainda no apogeu de sua carreira, obrigando-o a procurar tratamento.
Quando começa a sofrer por causa de uma artrose no joelho, Garrincha já não passa mais um dia sem beber -o que, dizem hoje os médicos, tornava mais lenta a sua recuperação.
Garrincha não foi o único jogador a engordar e decair por causa do álcool -nem foi o único cujos abusos etílicos os jornalistas conheciam em detalhes.
A biografia de Garrincha deve ser leitura obrigatória para jornalistas esportivos (mal) acostumados a agir mais como compadres dos jogadores do que amigos de seus leitores.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Matinas Suzuki Jr.

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