São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 1995
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Vagão derruba a Constituição?

ADRIANA MARIA CARBONELL GRAGNANI; MARIA DAS GRAÇAS PERERA MELLO; NORMA KYRIAKOS

ADRIANA MARIA CARBONELL GRAGNANI
A iniciativa da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) em reservar dois vagões para as usuárias dos serviços de trem, fruto da pressão democrática do Clube de Mães de Vila Falchi, nos coloca algumas questões.
Banheiro feminino e masculino maculam o princípio da isonomia? Filas especiais para mulheres grávidas, idosos(as), deficientes são discriminatórias? Acesso livre em ônibus e metrô para aposentados(as), ou mesmo dar preferência às crianças, afronta a Carta Magna? Feriu os direitos das nações a recente conferência, em Pequim, sob os auspícios da ONU (Organização das Nações Unidas), que reuniu 186 países para tratar de plataforma de valorização das mulheres? A ONU pode e a CPTM não pode?
Nenhuma das hipóteses acima afronta a Constituição, especialmente a reserva de vagões para as mulheres. São iniciativas adotadas para o aprimoramento do convívio humano, todas elas decorrentes da vida em sociedade.
As denúncias de molestamento sexual dentro de trens remontam a muitos anos. Não é fenômeno novo. Nova é a tentativa de resguardar, nesses trens, a integridade física e moral das mulheres e a dignidade masculina.
Evidente que a Constituição dispõe sobre o acesso igualitário de todas as pessoas aos bens e serviços públicos e privados. Todavia, só a ampliação e a melhoria da rede ferroviária não eliminam o problema da violência sexual. Esse é fenômeno da cultura da desigualdade, que ocorre tanto dentro do vagão do subúrbio quanto dentro de condomínios fechados de alto luxo.
O princípio da isonomia não apregoa apenas a igualdade formal entre homens e mulheres. A leitura da Constituição seria um exercício saudável para o aprendizado moderno dessa expressão.
O princípio da igualdade, na prática, significa o uso equilibrado equânime dos bens e serviços da vida. Isso que dizer que as pessoas se respeitem entre si, que as instituições públicas e privadas respeitem seus usuários e que todos valorizem as mútuas diferenças.
A CPTM integra os bens e serviços da vida. É serviço público de transporte. Ela deve, sim, em respeito ao princípio da igualdade, impedir o acesso de homens aos vagões destinados às mulheres.
Não fere o princípio da igualdade o fato de homens "bolinarem" nos vagões e as mulheres sofrerem a "bolinação"?
Aperfeiçoar relações de convívio pacífico e respeitoso entre as pessoas é aperfeiçoar os direitos de cidadãos e cidadãs circularem livremente e verem preservado o seu direito à personalidade.

ADRIANA MARIA CARBONELL GRAGNANI, 42, advogada, é integrante do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo.
Colaboraram MARIA DAS GRAÇAS PERERA MELLO, 45, advogada e NORMA KYRIAKOS, 56, advogada e procuradora do Estado.

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