São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 1995
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O desafio dos juros

JOHN HARRIS; CLAUDIO MASSARI

JOHN HARRIS e CLAUDIO MASSARI
Os primeiros 16 meses do Real representam um saldo amplamente favorável ao governo. Os últimos dias reforçam essa tendência, com o registro de queda ainda maior da inflação, com os recordes históricos de caixa em dólar e com a recuperação do comércio exterior.
Ainda assim, pesquisa publicada recentemente por esta Folha indica que os índices de desaprovação ao Plano Real mais do que dobraram nos últimos 12 meses.
A questão é: por que se acredita menos no Real, mesmo quando se sabe que a inflação está sob controle, o país continua a crescer, o desequilíbrio na balança comercial foi contornado e o plano exibe saúde perfeita após o check-up dos primeiros 16 meses?
Há três explicações: a lentidão do processo de reformas constitucionais, a redução dos níveis de emprego e, especialmente, a abusiva taxa de juros do país.
Não há como contestar as conquistas do Real no que se refere à estabilização de preços e ao balanço de pagamentos. A arquitetura do plano praticamente não se desvia do arcabouço desenhado há dois anos pela equipe econômica.
Ao longo desse período, o governo elegeu o combate à inflação como prioridade. Excetuando-se os percalços originados pela crise mexicana de dezembro de 1994 e pela má administração da política cambial em março, suas ações puderam concentrar-se nesse objetivo sem maiores desvios de percurso.
O risco representado pelo desequilíbrio de consumo do primeiro semestre foi controlado. O problema de crédito de curto prazo se deu porque a população não estava ainda habituada a um cenário de estabilidade.
Até então, consumia-se apenas o presente, ou seja, não existia entre nós a figura do endividamento, do consumo do futuro. Materializou-se, grosso modo, o famoso "quem nunca comeu melado, quando come se lambuza.
Agora, porém, depois das medidas restritivas adotadas pelo governo, o cenário é outro. Não há nada no horizonte que indique a possibilidade de uma nova febre consumista. A população conhece os males que a indigestão do melado provoca -entre eles, a queda do nível de emprego. O sistema financeiro, escaldado, não se mostra mais tão pródigo em financiamentos. Finalmente, as empresas, com o encalhe de mercadorias de meses recentes, pensam duas vezes antes de estocar novamente.
Numa palavra, a estabilização é uma conquista efetiva. Sem a menor perspectiva de disparada dos preços, e levando em conta o desaquecimento da economia, não há por que preservar uma política de arrocho ao crédito e de juros altos.
Uma prova do que se afirma está no cenário que se avizinha para o Natal. Não se espera o aquecimento natural de fim de ano. A economia entrará em 1996 duplamente desaquecida. Além da habitual lassidão de início de ano, introduz-se o dado novo de um fim de ano morno. Tudo indica que a inflação mensal no início de 1996 dificilmente superará 1,5%.
O custo interno elevado que os juros altos acarretam não encontra mais amparo no atual cenário econômico. Diz-se que o Brasil está habituado com juros reais de 20% ao ano. Não é bem verdade. A taxa já foi de 12%, de 15%. Hoje, é de cerca de 20% ao ano em real e de 25% a 30% em dólar.
É inegável que se está diante de um grave desequilíbrio. Especialmente quando se levam em conta as reservas internacionais da ordem de US$ 48 bilhões, capazes de sustentar dificuldades eventuais.
O cenário traçado é o mais indicado para uma redução das taxas de juros. Com ela, o governo poderá reduzir seu próprio endividamento e o de Estados e municípios, evitar a descapitalização crescente das empresas, resgatar o fluxo de capitais, recuperar os níveis de emprego e concentrar esforços para a negociação no Congresso das reformas patrimonial, fiscal, previdenciária e administrativa.
A medida evitará, especificamente em relação às reformas, a contradição gritante de propor cortes em gastos públicos e continuar jogando fora bilhões de dólares em endividamento provocado por juros abusivos.
Antes de pensar em implementar a totalidade das reformas constitucionais, há que se considerar a prioridade da redução dos juros. Será esse o grande desafio da administração federal neste final de ano. Ele preparará terreno para que a sociedade brasileira descubra, enfim, qual sua verdadeira capacidade de consumo, apenas insinuada pela explosão do início do ano.
Só que, desta vez, a experiência do passado balizará, por certo, as ações do presente. O momento não pode ser mais oportuno para que o próprio governo ofereça uma demonstração inédita de confiança no plano. O Real é ainda uma criança, está certo, mas com um ano e meio tem de ser capaz de andar com as próprias pernas.

JOHN HARRIS, 39, é doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (RJ) e diretor do Banco Boreal.
CLAUDIO MASSARI, 35, economista, é diretor do Banco Boreal.

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