São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
O telefone do amor
MOACYR SCLIAR Sou auditor de empresas, era a resposta que dava quando lhe perguntavam o que fazia, e acrescentava, sorrindo. "Escuto muito".Tratava-se apenas de uma meia mentira. Ele escutava, sim, mas não os funcionários das empresas que lhe pagavam. Escutava dirigentes de outras empresas. Por meio de telefones grampeados: era -profissão ainda rara no Brasil- um espião industrial. Uma grande indústria queria saber qual o lançamento da concorrente? Ele descobria. E cobrava caro. Podia até ter ficado milionário, se não tivesse grampeado o telefone errado. Era o aparelho de um alto executivo e ele esperava ouvir coisas interessantes, mas logo constatou que o homem não fazia jus ao alto salário: ligava muito, mas só para falar sobre sexo com a namorada. Para transar pelo telefone, como dizia. A princípio, aborreceu-se: trabalho perdido, teria de encontrar outro telefone para grampear. Mas, para sua surpresa -considerava-se um homem frio, como frio deve ser um espião- descobriu que estava gostando de ouvir a conversa. Tórrida, aliás. Nenhum escritor erótico seria capaz de bolar diálogos como aquele. Ela, principalmente; que mulher ardente, aquela! Como suspirava, como gemia, como gritava ao atingir o orgasmo, fingido ou verdadeiro! E que voz tinha! Ela era a autêntica "Garganta Profunda": suas cordas vocais eram uma extensão do aparelho genital. Apaixonou-se. Apaixonou-se perdidamente por uma mulher que não conhecia, nem mesmo como "voyeur". Apaixonou-se por uma voz. Uma voz que não podia deixar de escutar. Bem sabia que tinha de grampear outro telefone, que precisava fornecer as informações para a empresa que, afinal, estava lhe pagando -mas não podia, não tinha cabeça para isso, só podia pensar na voz erógena. Chegou a pensar em procurá-la, em confessar o seu amor. Mas a simples idéia de que ela poderia rejeitá-lo com desprezo -você não passa de um espião sórdido- o fez desistir. Como desistiu também de sua profissão. Se grampeasse outro telefone, e escutasse a voz dela -afinal, tudo é possível- morreria, certamente morreria. Mudou de ramo. Agora vende vídeos eróticos. Como ele mesmo diz, é uma espécie de consolo. Texto Anterior: Milhares de tartarugas desovam no PA Próximo Texto: Lobo com pele de lobo Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |