São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Capital próprio, recurso escasso

ALFREDO NEVES PENTEADO MORAES

"Investi com recursos próprios". A frase, dita com frequência por empresários brasileiros, esconde um aspecto preocupante da economia nacional. Orgulhosos por não recorrerem a bancos para viabilizar a expansão ou a melhoria de seus negócios, eles buscam dar uma demonstração de saúde financeira e força empresarial.
Na verdade essa atitude, invejada por seus pares, demonstra claramente a profunda distorção que políticas intervencionistas e protecionistas causaram e causam à intermediação financeira no país.
A política redistributiva baseada no princípio de tirar de quem tem para dar a quem não tem, a longo prazo, elegeu os aplicadores e as instituições financeiras como alvos de achaques. Numa batalha sem fim, credores e devedores se digladiam econômica e juridicamente, procurando tirar proveito de situações e fatores conjunturais, em uma atitude que tem como efeitos principais paralisar os negócios e sobrecarregar os tribunais.
Quem não se lembra das concordatas sem correção monetária, dos expurgos de indexadores, das maxidesvalorizações e outras formas de transferências unilaterais de renda comumente adotadas no país? Essas medidas, sempre respaldadas por objetivos nobres, invariavelmente contribuem para confirmar a tese de que, a longo prazo, o credor que não tomar precauções perde dinheiro em suas aplicações.
Porém até mesmo a "Velhinha de Taubaté", após seguidas perdas, aprende. O credor local também aprendeu. Por experiência própria, ele sabe que é arriscado alongar suas aplicações, independentemente de quão atraente pareça a remuneração prometida.
Também sabe que garantias, neste país, são relativas e que, se tiver de recorrer à Justiça para cobrar uma dívida, perderá uma parcela significativa de seus recursos no processo, mesmo quando a garantia é mais do que suficiente para cobrir o valor devido.
Sabe, ainda, que as regras são mutáveis sempre que o interesse nacional entra em jogo e, geralmente, ele está no time contrário.
A consequência desse ambiente é a insegurança, indissociável hoje das operações de crédito. Resultado: aumentam os custos de intermediação financeira e as ofertas de recursos acabam concentradas em um seleto grupo de tomadores considerados sérios. Pior ainda é a decisão de muitos de poupar no exterior, exportando nossas incipientes reservas de longo prazo.
Do lado do tomador, as decisões não são nada fáceis. Com o custo adicional decorrente das incertezas de crédito e frequentemente obrigado a aceitar taxas flutuantes, acaba desinteressando-se de investir. Por paradoxal que possa parecer num país repleto de oportunidades como o Brasil, a demanda por capital para investimentos é extremamente baixa.
Essa situação é comum a muitos países. Analisar as soluções encontradas pode ser a forma mais fácil de contornarmos essas restrições. Para as grandes empresas, temos as emissões de títulos de longo prazo (ações, debêntures, "notes"), que, coordenadas por bancos de investimento, preocupam-se em vender um projeto.
Como forma de aumentar o número de interessados, estrutura-se um mercado secundário e o desempenho da empresa passa a ser monitorado, subsidiando seus investidores. O risco é repassado pelo banco ao comprador desses papéis, possibilitando uma alavancagem muito maior de negócios pela desconcentração do risco.
Para as pequenas e médias empresas, opta-se pelos empréstimos clássicos, amparados por garantias, conjugados com uma legislação que agilize o processo de execução e preserve o valor real da dívida, diminuindo as perdas advindas das inadimplências.
No Brasil, alguns conceitos precisam ser urgentemente revistos. Amparar o devedor, atualmente, é cobrar do bom pagador os prejuízos causados pelo caloteiro. Como esperam que parte de seus créditos apresente problemas, os credores embutem uma sobretaxa na totalidade de seus empréstimos, por conta desses potenciais prejuízos. Isso, obviamente, onera aquele que cumpre com seus compromissos para subsidiar as espertezas dos industriais da concordata.
Quanto maior a diferença entre o ganho obtido pela aplicação "vis-à-vis" o custo do empréstimo, menores serão as possibilidades de termos um fluxo de recursos entre quem detém o capital e quem tem os melhores projetos.
Muitas vezes deixaremos de investir no projeto alheio, de maior retorno, porque o rendimento líquido, após impostos, taxas de risco e custos de processamento é inferior ao que obteremos por conta própria. Quem perde com isso é o país, que não investe e, portanto, não cresce.
Sob todos os aspectos, destoamos do resto do mundo nesses quesitos. Nossa cunha fiscal não tem precedentes, as perdas em créditos problemáticos são das mais altas do planeta e a tremenda burocracia instalada impede maiores ganhos nos custos administrativos.
E, como não podia deixar de ser, nossos níveis de poupança, intermediação financeira e investimentos estão entre os mais baixos do mundo. Triste quadro para um gigante que quer acordar.

Texto Anterior: Câmbio para inglês ver
Próximo Texto: Clinton anuncia queda no déficit fiscal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.