São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 1995
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Lobão ri da 'nostalgia da modernidade'

MAURICIO STYCER
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Depois de quatro anos sem gravar discos e sem usar drogas, João Luiz Woerdenbag resolveu retomar a primeira dessas atividades.
Está saindo esta semana "Nostalgia da Modernidade", o nono e mais ambicioso trabalho de Lobão, 38, um dos mais irreverentes músicos de sua geração.
O disco tem rock e samba, macacatu, blues e baladas. Todas as músicas são de Lobão. Algumas letras escreveu em parceria com sua mulher, Regina Lopes, e o sambista Ivo Meireles.
Mais magro, mas não menos bem-humorado, Lobão falou à Folha na última terça-feira, na sede de sua nova gravadora, a Virgin:

Folha - Você ficou quatro anos sem gravar discos. Foi por isso que você disse, há um ano, que sabia estar passando por uma fase de "fracasso temporário"?
Lobão - Para mim, fracassos e sucessos são como alteres. Você precisa fazer esforço para levantá-los. Sou muito resistente às vitórias. É muito doloroso você ser sucesso, ser uma pessoa pública. É claro que tento evitar o fracasso. Mas não sou aquele cara que clama pelo bem-estar adquirido. Assumo os desconfortos da vida com muita naturalidade.
Folha - Nos últimos anos, você tem repetido que o "rock acabou". Acabou quando e onde?
Lobão - O rock, como representação da realidade, acabou em todo o mundo. Nos anos 80, quando nós fizemos rock no Brasil, ele já não existia. Na época, eu tratava o rock como um alienígena bem-vindo, salutar ao contexto da música popular brasileira de então.
Folha - Apesar da morte do rock, há pelo menos dois rocks nesse disco.
Lobão - Lógico. Eles servem para dar um fio à meada. Até passou pela minha cabeça fazer um disco só de samba, mas eu não tinha esse direito. Eu não estou cuspindo no prato do rock agora. Eu sempre me irritei com o rock. O rock é machista. Todo roqueiro no palco parece passivo sexualmente (apontando para uma foto de Keith Richards). Acho isso muito feio.
Folha - Que "Nostalgia da Modernidade" é essa de que fala o título do disco?
Lobão - Em primeiro lugar, diz respeito ao ser modernoso, aquele sujeito que vive com nostalgia do próprio momento. Compra uma secretária eletrônica já sentindo nostalgia da próxima que virá. De tanta ansiedade, ele é capaz de sentir saudades de agora.
Folha - "Dilema", que você diz ter uma "sonoridade taiguárica" (homenagem ao cantor e compositor Taiguara), parece ter sido feita para a Elis Regina cantar. Você não tem medo de soar rídiculo o Lobão cantar essa música num show?
Lobão - Arte é coragem. Ouvi todas as advertências possíveis antes de gravar "Dilema". Me falaram que podia ficar ridículo. Acho que ficou bonito pra caramba.
Folha - De quem você está falando na música "Samsara Blues" quando você diz que "só restam clones de 'atitude' em jingles de televisão"?
Lobão - Quero dizer que a rebeldia está estereotipada. Quando cortei o cabelo, vieram me falar: "Pô, você está careta!" Não! A situação hoje é cabeluda. Estou na oposição. Com as drogas é a mesma coisa. Elas foram feitas para romper com o sistema, mas criaram um outro, tão careta quanto.
Folha - Como você descobriu isso?
Lobão - O que me levou a parar de usar drogas é que eu convivia com pessoas que ficavam muito chatas depois de cheirar (cocaína). Pessoas que ficavam me cutucando no final da noite, dizendo que agora me amavam, seguravam no meu pênis e depois queriam sair com a minha namorada. Isso acontecia toda noite. Começava com filosobol e acabava nisso.
Folha - Filosobol?
Lobão - Filosobol é o esporte da filosofia inútil. "Deus existe ou não existe?" Ah, cara...

O jornalista MAURICIO STYCER viajou ao Rio a convite da Virgin

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