São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 1995
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Paisagem é formada por milagres visuais

DO ENVIADO ESPECIAL AO PARÁ

A viagem começa em Santarém, cidade banhada pelos rios Amazonas e Tapajós (antigo lar dos índios Tupaius, famosos pela cerâmica tapajônica), com seus solares e casarões de mais de 200 anos.
Já em Santarém, a visão do primeiro milagre, o encontro das águas: o Tapajós, azul, com o Amazonas, veloz e dourado, numa linha de 8 km separando as águas.
Já perguntaram aos cientistas sobre esse fenômeno. Disseram que são dois rios com idades e temperaturas diferentes. Esqueça a ciência, entre num barco e comece a viagem subindo o Tapajós.
À sua direita, mais um milagre: a ilha Ponta Negra, que não existia há dez anos. Nela, praias, uma mata rala, o igarapé Açu e o lago Maigá, um dos mais piscosos da região. E imaginar que tudo isso se formou há poucos anos...
Continuando. O barco vai entrando no Tapajós e, à esquerda, praias e praias desertas (Arariá, Aramanaí e outras). Vez por outra, um felizardo solitário acena.
A mata densa esconde as poucas habitações. O calor de mais de 30oC amolece o corpo. Deite na rede, olhe a paisagem e pare de pensar. Se tiver sorte, o barco será recepcionado por botos.
Uma hora navegando. Tempo de parada. O barco encostará na praia Ponta de Pedras que, como o nome diz, é uma praia com pedras enormes, que você jamais saberá de onde vieram. Mergulhe na água morna do rio, role na areia (não terá ninguém olhando), suba numa pedra e continue não pensando.

Beleza radical
Voltando para o barco, a viagem, ou melhor, a beleza, radicaliza. Como uma faca afiada deitada sobre o rio, um pontal de areia aparece à sua frente. O barco faz o contorno. É um pontal que invade até a metade do rio. É uma praia infinita? Não. Logo depois, um morro (da Piorca) e Alter do Chão.
Uns 28 navios (americanos e europeus) visitam a vila anualmente. São cruzeiros que partem lotados da Flórida e do Caribe. Os turistas dormem nos navios e passam o dia na vila; uma exigência da comunidade local.
E há histórias dos gringos que vêm e ficam e casamentos entre gringos e caboclos. Tem o francês que se encantou, vendeu o que tinha e ficou, o marinheiro que se apaixonou pela cabocla e desertou.
A comunidade se organiza para não ser fragmentada pelos muitos dólares que entram. Todo morador é membro de uma associação: dos remadores, das donas de casa que fazem doce de caju, entre outras.
Procuram controlar o ímpeto dos empreiteiros regulamentando as construções, estabelecendo um padrão que não agrida o encanto.
E, no cair da noite, barracas preparam a piracaia, uma tradição local: peixes tucunarés, tambaquis, pirarucus pescados e assados em brasa na areia. Amigos se reúnem, trazem farinha e temperos, pescam e assam o peixe em fogueiras. A comilança cruza a madrugada e dorme-se ali mesmo.
E, dentro de instantes, o luau: dançarinos da região, iluminados pela fogueira, exibem um pedaço do folclore da Amazônia, do carimbó ao lundu, dança marajoara de sensualidade enlouquecedora.
Em julho, tem a festa profana e religiosa do Sairé (símbolo criado pelos catequizadores que representava passagens da Bíblia). No começo do Sairé, canta-se o Hino Nacional em tupi-guarani.
Se você não estiver num cruzeiro e faz as viagens confiando no destino, existem cinco pousadas que custam de R$ 20 a R$ 30 por dia (a Aritupailândia é a mais cara, pois tem ar-condicionado).

Sistema molecular
Ou pode ficar de graça no chamado "hotel Mil Estrelas": dormir na areia. Negócios, esqueça. Há só um telefone. Ou então, faça como os moradores que se comunicam pelo sistema "molecular": moleques que percorrem a vila mandando recados. É ruim, hein?
Quando se enjoar da paisagem, mais um passeio de barco. Atravessando o Tapajós, em duas horas chega-se em Arapiuns, afluente que forma um lago piscoso. É nas suas praias que o Estado promete criar uma infra-estrutura, com financiamento do Bird, para a construção de seis hotéis de selva.

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