São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O novo Brasil avança

LUÍS NASSIF

Para quem tem olhos para ver, nos últimos dias o país registrou não apenas eventos tópicos, mas avanços extraordinários em direção à modernização. Parte por mérito das forças sociais. Parte por mérito do presidente da República.
A partir da Constituição de 88, decretando o início do fim do centralismo fiscal, e do governo Collor, dando início ao processo de abertura e desregulamentação da economia, criou-se uma dinâmica tão poderosa na sociedade que o caminho da modernização tornou-se irreversível.
Na área sindical, o acordo entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD e a Ford simbolizou o golpe final no modelo getulista de legislação trabalhista. Em outros tempos, seria impossível a quem quer que fosse negociar criativamente fora dos cânones da lei trabalhista. Alegava-se que, se cada sindicato negociasse por si só, haveria o enfraquecimento daqueles com menor poder de barganha.
Centrais sindicais e federações empresariais pareciam se comer. No fundo, eram aliadas no mesmo receio -o de que a nação se modernizasse, aprendesse a andar pelas próprias pernas, libertando-se do controle dos grupos políticos que comandavam essas organizações.
É uma lógica que vale para todo o alto clero -centrais sindicais, federações empresariais, diretórios nacionais de partidos de esquerda e conservadores, alta burocracia federal, tribunais de Justiça, confederações esportivas e todas as peças que compõem a engrenagem conservadora centralista.

Guiba e Vicentinho
Não é por outro motivo que o acordo foi comandado por Guiba, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, e não por Vicentinho, presidente da CUT. E foi assinado com a Ford, não com a Fiesp.
O grande Vicentinho -das câmaras setoriais- só tinha espaço para crescer e criar dentro de um ambiente em que o parâmetro de atuação fosse a busca do bem-estar da base.
O sistema de poder nas grandes centrais e nas federações empresariais impõe lógica distinta. Para não dividir poder, elas necessitam subordinar a base a princípios igualitários, que impeçam o exercício da criatividade e da iniciativa. Senão, o país aprende a andar pelas próprias pernas.
Em países complexos e extensos, como o Brasil, a única maneira de garantir essa homogeneidade é refugiar-se atrás de dogmas. Nesse exercício de preservação de poder, as estruturas centralizadas acabam perdendo de vista o fim maior de sua atuação -a defesa dos interesses de seus associados.

Lula e governadores
O mesmo fenômeno se observa com a discussão da reforma administrativa. Numa ponta, governadores, prefeitos e muitos deputados do PT defendendo a flexibilização da estabilidade e a demissão dos servidores excedentes. Na outra, Lula aferrando-se a um dogmatismo feroz -de que a estabilidade é um direito adquirido do servidor, não uma forma de defesa dos direitos dos contribuintes.
O fim da estabilidade pode gerar abusos iniciais. Mas se insere na lógica federativa de dotar cada governador dos instrumentos necessários para se virar com suas despesas. No final do processo, cada Estado terá que aprender a andar com as próprias pernas. É uma hipótese que assusta todos os representantes desse centralismo obscuro.
Assusta Prisco Viana, por perceber que as despesas estaduais passam a ser de responsabilidade dos Estados. Brasília perderá expressão, reduzindo o papel de intermediários políticos como ele. Politicamente, vai viver de quê?
Assusta Lula, por perceber que essa fragmentação do poder criou um novo mundo, com novas lideranças e novos valores. Os novos valores a serem cultuados serão a capacidade de pensar criativamente maneiras de melhorar a vida do cidadão -não o exercício sistemático do slogan.
Os grandes líderes petistas -e nacionais- das próximas décadas surgirão entre esses políticos estaduais e municipais que entenderam mais cedo o novo paradigma nacional.
No novo mundo, não haverá espaço para Lula (se não mudar) e Prisco (que jamais irá mudar). A Lula, pelo menos, será devotado o reconhecimento de ter iniciado o processo no meio sindical, em velhos e inesquecíveis tempos nos quais a chama das transformações sociais não havia sucumbido às conveniências das estratégias políticas centralizadoras.

Texto Anterior: Bovespa registra queda de 6,52%
Próximo Texto: Mercedes-Benz vai cortar benefícios de funcionários
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.