São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
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Gianni Amelio propõe cinema de reflexão

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

O cineasta italiano Gianni Amelio, 50, estreou na direção em 1970 com "La Fine del Gioco". Filho da tradição do cinema neo-realista, Amelio discute em seus filmes as relações -nem sempre justas- do Estado com o cidadão.
Sua mais recente direção, "Lamerica", que a Mostra exibe nos próximos dia 30 (Cinearte 1, 22h), 31 (Arouche, 22h) e 2 (CineSesc, 16h), mostra um italiano inserido no caos social da Albânia pós-queda do comunismo. Em entrevista à Folha, Amelio falou sobre sua confiança em mudanças e sobre sua impossibilidade de trabalhar fora de argumentos relacionados à realidade italiana.

Folha - Seus filmes trazem sempre críticas à sociedade italiana e a seus comportamentos em relação a temas como pena de morte ("As Portas Abertas", questão atômica ("I Ragazzi di Via Panisperna"), entidades públicas ("Ladrão de Crianças"). O empenho político é fundamental em seu cinema?
Gianni Amelio - Acredito que eu faça filmes não contra alguma coisa. Eu faço filmes "por" alguma coisa. Assim acredito que meus filmes possam ser lidos de maneira positiva. Por exemplo, toda vez que faço um filme, coloco nele uma figura que representa ou encarna os meus sentimentos. Desta forma, meu discurso sempre pressupõe a confiança em uma mudança. É preciso colocar na história o próprio sentimento da vida, um olhar na sociedade.
Folha - Pensando assim, todos os seus filmes seriam biográficos...
Amelio - São sempre autobiográficos, mas em um sentido mais amplo. Cada personagem possui grande parte dos meus sentimentos e do meu modo de ver. Nunca fui um imigrante, um policial, mas seus sentimentos são os meus. Em "Lamerica" existe ainda a referência à minha família, que imigrou para a Argentina.
Folha - O cinema deve ter sempre esse compromisso social?
Amelio - De forma alguma. O cinema é essa forma misteriosa e bela porque é um conjunto de coisas aparentemente contraditórias. O cinema é diversão, mas é também um instrumento de reflexão e conhecimento. Mesmo depois de cem anos de sua invenção ele é sempre sugestivo. Tudo o que cineasta conta é sobre a sociedade, sobre a relação entre os homens.
Folha - É verdade que para ter o financiamento para "Ladrão de Crianças" você teve que se comprometer a fazer "As Portas Abertas". Que esta teria sido uma condição imposta pelo produtor Angelo Rizzoli?
Amelio - Não foi bem assim. "As Portas Abertas" foi uma proposta de Angelo Rizzoli. Ele leu o livro antes de mim e me perguntou se eu não gostaria de filmá-lo. Li o livro e me interessou. O filme agradou muito Rizzoli e me deu liberdade para fazer um filme meu. Escrevi então o roteiro de "Ladrão de Crianças" e o realizei com absoluta liberdade.
Folha - Você já pensou em trabalhar nos EUA?
Amelio - Não. Não poderia. Eu poderia trabalhar em outros países, como fiz agora na Albânia, mas contando histórias de italianos. Tenho a necessidade de contar algo ligado à minha cultura, aos meus conhecimentos. Eu sonho em fazer um filme na Argentina para contar a história do meu pai, um imigrante que chega em um país estranho nos anos 40. Isso significa falar da Itália em relação à Argentina.
Folha - A imigração, como fruto de uma estrutura social em crise, pode ter um lado positivo?
Amelio - Torço que sim. Espero que um dia não seja apenas uma situação difícil, que ocorre quando alguém é obrigado a deixar sua terra e suas origens. A imigração é um bem para os países que acolhem os imigrantes. Por meio deles conhecemos coisas diversas ou lembramos de coisas que tínhamos esquecido. É uma utopia, mas espero que um dia as pessoas não precisem mais imigrar, mas sim viajar de uma maneira serena.

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