São Paulo, sábado, 28 de outubro de 1995
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Negros gays aprovam personagem de novela

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao contar para a família que é "gay", no capítulo de segunda-feira da novela "A Próxima Vítima"(Rede Globo), o personagem Jefferson causou comoção dentro e fora da história.
Sidney, o irmão de Jefferson, diz que vão chamá-lo de "neguinha da Aclimação".
Os telespectadores escrevem para o ator Lui Mendes (o Jefferson) se solidarizando com o personagem homossexual negro.
"São cartas de senhoras, adolescentes e pais de família. Meus amigos gays também me ligam emocionados durante os capítulos e os garotões me cumprimentam na rua pelo trabalho", diz.
O público que se identifica com Jefferson avalia a repercussão. "Todos os meus amigos comentam", diz o garçom do bar Ritz, Luiz Wenceslau, 31, que é negro e homossexual assumido.
"O Jefferson é uma dupla conquista. Ele é negro e gay, sem ser estereotipado", diz Wenceslau. Ele conta que já enfrentou duplo preconceito.
"A síndica de um prédio em que eu morei, nos Jardins, comandou um abaixo-assinado para me expulsar dali. Eu era o único negro do prédio e ela espalhou que eu era gay também", lembra.
A professora de antropologia da USP Solange Lima, 46, que estuda desde os anos 80 os personagens negros da TV, elogia a "coragem" dos autores da novela.
"Criar um personagem negro e homossexual para a novela das oito é uma ousadia muito grande", afirma. "Eu sempre digo aos meus alunos que a telenovela dá um passinho adiante, dois para trás. Esse foi para frente", diz.
O coordenador do Núcleo de Consciência Negra de São Paulo, Fernando Conceição, 33, diz que há muito para conquistar, inclusive na militância. "Dentro do próprio movimento negro, ainda existe muita resistência aos homossexuais", diz.
Para o professor baiano Wilson Santos, 38, que comandou durante cinco anos o grupo Adé Dudu ("homossexual negro", na linguagem do Candomblé), de dupla militância, o preconceito no gueto é até maior."Os gays são os primeiros a contar piadas discriminatórias", diz.
Ele afirma que o personagem da novela pode suscitar o "preconceito ao contrário". "Aceitaram bem o Jefferson porque ele é ao mesmo tempo um gay sem afetação e um negro classe média, coisa rara no Brasil. Temos que lidar com personagens negros de outros setores", afirma.
O psicanalista Arnaldo Domingues, 39, que atende três grupos de homossexuais em seu consultório, diz que a abordagem do tema em uma novela ajuda a reflexão. "O povo vai poder elaborar melhor a questão. Acho que o público normal de novela está se transformando", diz.

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