São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 1995
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Antonioni volta com "Além das Nuvens"

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Além das Nuvens", o primeiro longa-metragem em treze anos de Michelangelo Antonioni, provocou a grande polêmica de Veneza-95.
Escrevendo na capa do principal diário romano, "La Repubblica", Bernardo Bertolucci condenou o excessivo rigor ("automatismo profissional de julgamento") da crítica do jornal, Irene Bignardi, e de outros colegas italianos frente ao filme.
Bertolucci chiou, mas Bignardi tinha razão.
"Além das Nuvens" é um irregular filme de episódios, todos dirigidos por Antonioni.
As quatro curtas histórias são "frankensteinianamente" cimentadas por um prólogo, cenas de ligação e epílogo realizados por Wim Wenders, adotando um cineasta em crise (John Malkovich) como narrador.
O diretor alemão acompanhou as filmagens como possível diretor-substituto (exigência da produção, segundo disse à Folha em Cannes-95), dado o comprometimento dos movimentos e da fala que Antonioni manteve como sequelas de um acidente vascular cerebral.
Cada episódio adapta um conto do livro "Quel Bowling Sul Tevere", publicado por Antonioni em 1983. O tema comum é o desencontro amoroso.
No primeiro e mais fraco, dois jovens têm uma rara segunda chance de envolvimento.
No segundo e brevíssimo, o cineasta vivido por Malkovich se envolve com uma bela jovem que não aparenta o passado que carrega.
A seguir, dois casais em crise terminam bem uma ciranda amorosa parisiense. Por fim, uma jovem sensual e religiosa (Irene Jacob) encanta um belo rapaz, que atravessa a cidade para acompanhá-la à missa.
É o ponto alto do filme, o único episódio em que os personagens se desenvolvem e o drama se adensa.

Poeta do desamor
É evidente que "Além das Nuvens" tenta revisitar o Antonioni poeta do desamor e da incomunicabilidade de clássicos como "A Noite" e "Depois Daquele Beijo".
Busca-se a mesma tensão represada, a mesma atmosfera rarefeita, o mesmo espaço fílmico a um só tempo comum e "desterritorializado". Mas o tempo não pára. A mágica não se refaz.
Nem seria possível, dada a estrutura escolhida. Os "cinecontos" de Antonioni conflitam em tom e em estilo com as intervenções do cineasta-filósofo de Wenders.
A irregularidade daqueles potencializa a banalidade destes. A proporcionalidade se mantém até o fim: o delicado episódio de encerramento é sucedido por um belo desfecho inspirado no Hitchcock de "Janela Indiscreta".
"Além das Nuvens" deve ser visto levando-se em conta sua importância relativa. Evite automatismos.
É uma obra atípica, híbrida, construída como um palimpsesto audiovidual, em que um filme do último Wenders se ergue sobre os andaimes de um Antonioni clássico.
"Além das Nuvens" situa-se em algum ponto entre a farsa e o milagre.

Filme: Além das Nuvens (Par delà les Nuages) - Legendas em português
Direção: Michelangelo Antonioni. Com Ines Sastre e Kim Rossi-Stewart (episódio um), John Malkovich e Sophie Marceau (dois), Fanny Ardant, Chiara Caselli, Jean Reno e Peter Weller (três), Irene Jacob e Vincent Perez (quatro)
Quando: hoje, às 21h30
Onde: Masp (Grande Auditório)

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