São Paulo, terça-feira, 31 de outubro de 1995
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Homenagens inadequadas

STALIMIR VIEIRA

Ayrton Senna, ao lado de Pelé, terá sido a expressão maior do desportista brasileiro. Verdadeiro herói nacional nos autódromos do mundo, sem dúvida mereceria ser homenageado com um autódromo com seu nome, uma escola de pilotos com seu nome ou um prêmio permanente com seu nome aos pilotos que mais se destacassem nas pistas brasileiras.
Afinal, Ayrton Senna passou para a história como um dos maiores expoentes mundiais do automobilismo. Consta que tinha grandes qualidades morais, mas ganhou notoriedade pela habilidade ao volante de carros de corrida.
O que soa falso e inconveniente é dar o nome do piloto a obras absolutamente diversas de sua atividade e, por que não dizer, antagônicas.
Uma rodovia onde circulam carros de passeio e ônibus com velocidade limitada a 100 km/h efetivamente nada tem a ver com um homem que corria por esporte a 300 km/h. Assim como túneis e complexos viários onde mais se fica parado em engarrafamentos do que se roda. No caso da rodovia dos Trabalhadores, a decisão de trocar o nome, além de inadequada, foi extremamente antipática (o que pensaria Ayrton Senna disso, faltou alguém perguntar).
Imigrantes, Bandeirantes, Trabalhadores são nomes dados a vias públicas com intenções muitas vezes demagógicas, mas que, mal ou bem, acabam homenageando de forma coletiva aqueles que ajudaram a construir não apenas São Paulo, mas o Brasil.
Infelizmente, no afã de angariar a simpatia de certas correntes de influência, autoridades federais, estaduais e municipais perdem o critério e esbarram no ridículo. E, com isso, acabam ferindo a imagem de quem não merecia esse castigo.
Outro dia, passando pela marginal, dei de cara com uma obra-prima do contra-senso: complexo esportivo Grande Otelo. Meu Deus! Façam um teatro Grande Otelo, uma escola de dramaturgia Grande Otelo, ergam uma estátua numa boa praça, mas não submetamos sua memória a esse vexame. Não há registro na história de Grande Otelo praticando alguma modalidade esportiva (no máximo, de farra em alguma de suas comédias).
Talvez Paulo Maluf queira demonstrar mais agilidade que seu colega carioca, César Maia, que submeteu o nome de Tom Jobim a uma situação que, fosse vivo, o poeta por conta dela jamais voltaria a pisar no Rio de Janeiro. No entanto, na pressa, o prefeito paulistano fere a adequação. E não existe nada menos lisonjeiro para um homenageado que uma homenagem inadequada.
Não faz mal que, na falta de estadistas, o Brasil fique dando nomes de esportistas, artistas de cinema e poetas a seus logradouros importantes. Mas é preciso tomar cuidado para que essas homenagens não surtam efeito contrário ao desprezarmos a questão do papel do indivíduo enquanto viveu. Sob pena de, numa dessas, inaugurarmos uma biblioteca municipal Vicente Matheus.

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