São Paulo, quarta-feira, 1 de novembro de 1995
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Orçamento público: o cobertor ficou muito curto

RAUL W. DOS REIS VELLOSO

Passados sete anos da implementação da Constituição de 1988, tem-se, hoje, um regime fiscal em que, se não existisse o Fundo Social de Emergência (FSE), nada menos do que 80% das receitas federais de natureza tributária estariam amarradas, por lei, a certos tipos de gasto.
Pelo regime atual, deveriam estar sendo destinados 18% da receita total para as transferências obrigatórias a Estados e municípios; 53% para os principais setores com financiamento tributário cativo no Orçamento (Previdência, Saúde, assistência social e seguro-desemprego); e 9% para a "manutenção e o desenvolvimento do ensino" e outros segmentos de peso individual menos expressivo.
Isso significa que o "Orçamento dos menos contemplados", ou seja, correspondente a apenas 20% da receita total, teria de sustentar todas as despesas dos setores tradicionais (Agricultura, Transportes, Minas e Energia, Comunicações, Defesa, Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente, Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia, Fazenda, Planejamento, entre outros), além de parte do gasto com o pessoal ativo da área social e cerca de 90% dos gastos com inativos e pensionistas da União, que hoje representam quase 40% da despesa total de pessoal.
Com efeito, o objetivo central dos constituintes de 1988 era fortalecer a Federação, resgatar a "dívida social" e recuperar os salários do funcionalismo público. Nada a contestar. O problema é como conciliar a realização rápida desses objetivos -e sua gradual cristalização no sistema legal- com a necessidade de assegurar pelo menos atendimento mínimo aos demais segmentos do Orçamento e o pagamento eventual de parcela do serviço da dívida. Resumindo: essa é uma conta muito difícil de se fechar.
Na prática, já aconteceu um grande crescimento da despesa, para atender aos objetivos incorporados à nova Constituição. Ocorre que os saldos fiscais obtidos nos últimos anos só foram possíveis pelo fato de a arrecadação ter atingido níveis recordes e pelo uso exagerado (e obviamente insustentável) da aceleração inflacionária como instrumento repressor de despesas, fosse em pessoal ("arrocho" salarial temporário), fosse em outros custeios e capital (pela retenção de liberações na primeira metade dos exercícios anuais). Por esse último artifício, foi contida a expansão de determinados setores (como, por exemplo, o de saúde) e levou-se à penúria o setor público tradicional.
Agora, contudo, em vista dos limites óbvios da arrecadação, da queda brusca da inflação e diante da decisão de mantê-la baixa, "o rei ficou nu" em matéria orçamentária. A sustentação do sucesso obtido até agora pelo Plano Real requer, entre outras coisas, uma revisão completa do padrão de distribuição de recursos implícito na Constituição de 1988. Só que, como se sabe, a solução desse problema é de encaminhamento político muito difícil e deveria, portanto, ser conduzida de forma gradual e cuidadosa, para não se inviabilizar logo de saída.
A criação do FSE, um fundo de desvinculação de receitas, mediante emenda constitucional aprovada pelo Congresso, foi um passo importante na direção do regime fiscal ideal, já que, de um só golpe, reduziu-se o grau de vinculação do Orçamento de 80% para 67% da receita total, sem incidir sobre as transferências constitucionais. O efeito líquido das mudanças sobre as finanças estaduais e municipais foi certamente positivo, em vista do elevado crescimento da arrecadação de ICMS que se seguiu ao lançamento do Plano Real.
O FSE não é, contudo, uma panacéia. O que ele permite é que o Executivo submeta ao Congresso uma proposta orçamentária coerente com as prioridades do momento, dados os limites da arrecadação e a rigidez de certas despesas, o que seria impossível sob um grau de engessamento de 80% das receitas. Adicionalmente, observe-se que o mecanismo de desvinculação amplia de forma considerável as discussões sobre as prioridades orçamentárias no âmbito do próprio Congresso Nacional.
Por tudo isso, o FSE (ou outra solução semelhante de desvinculação das receitas públicas) deveria ser incorporado definitivamente ao regime fiscal brasileiro. A solução emergencial aprovada ontem na comissão especial que examina o assunto no Congresso, de prorrogar a vigência do fundo por apenas um exercício e meio, é insuficiente e faz pouco sentido.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de ANDRÉ LAHÓZ

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