São Paulo, quarta-feira, 1 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Desequilíbrios regionais e desenvolvimento técnico-científico

ROBERTO SANTOS

Vai longe o tempo em que se distinguiam países desenvolvidos dos subdesenvolvidos levando em conta, tão-somente, a renda per capita dos seus habitantes. À medida que foram sendo identificados e melhor conhecidos os vários componentes do processo de desenvolvimento, tanto de países como de regiões, os rígidos conceitos originais foram sendo enriquecidos e aperfeiçoados. A influência do progresso técnico-científico passou a ser estudada como das mais relevantes.
Na presente fase da história tem tido a nossa geração duplo desafio a enfrentar: o de alcançarmos novos patamares na competição com outras nações, afeitas ao uso de tecnologias mais sofisticadas e de maior rendimento, e o de promovermos a gradual elevação dos padrões do sistema produtivo das áreas mais pobres, limitadas ao uso de técnicas de baixa rentabilidade e já superadas no tempo.
No primeiro desses desafios, por motivos óbvios, está o Brasil representado pelos Estados mais ricos, entre os quais São Paulo facilmente se destaca. Em relação ao outro desafio, muito se tem debatido sobre como identificar responsabilidades e atribuir tarefas. É claro que a iniciativa, a vontade política original e a aspiração por uma vida melhor terão de nascer entre as populações e as lideranças das áreas menos favorecidas.
Mas também na superação dos fatores de atraso as regiões mais ricas têm importante papel a desempenhar, apoiando o esforço das instituições congêneres, localizadas onde a economia permanece com menor dinamismo.
No mundo em que tanto se fala de globalização e competitividade a expectativa de situar-se bem no confronto com as nações desenvolvidas exige mais que a cópia dos processos resultantes de pesquisas realizadas em outros países. No esforço de inovar para competir impõe-se, mais do que nunca, a pesquisa em nosso próprio meio, feita por pessoal a serviço de empresas autóctones. As grandes organizações multinacionais atuando nos países em desenvolvimento têm a tradição de valer-se, quase somente, de processos desenvolvidos nas respectivas matrizes.
Essa prática, tão generalizada, é mais barata, mais cômoda e menos arriscada que a de criar e aperfeiçoar os processos aqui mesmo no Brasil. Cabe a nós oferecer, dentro dos interesses nacionais, vantagens e incentivos que possam induzir a alteração dessa tradicional política das multinacionais. Como alcançar resultados nessa direção constitui um dos muitos temas em que o Poder Legislativo poderá deter-se, na condição de representante e porta-voz das aspirações nacionais.
As circunstâncias em que tem ocorrido o progresso econômico do Brasil vêm ensejando a existência, no mesmo espaço geográfico, de processos produtivos que geram grande agregação de valor lado a lado com práticas rudimentares em que o uso de instrumentos precários e a escassez de mão-de-obra adequadamente preparada impedem melhor rendimento do trabalho. Pode-se até dizer que convivem no mesmo espaço diferentes eras da história econômica.
No entanto, a considerável experiência, de âmbito universal, relativa à transferência de tecnologias, com as devidas adaptações, tanto se aplica à cooperação entre nações como ao intercâmbio entre diferentes regiões do mesmo país. No Brasil não faltam levantamentos que evidenciem, sobejamente, os desequilíbrios regionais na localização dos equipamentos de apoio ao desenvolvimento, incluindo instituições educacionais dos diferentes níveis e órgãos voltados para a pesquisa.
Tem o Congresso Nacional se detido no exame desses problemas. Entre outras, duas iniciativas adotadas em anos recentes devem ser citadas: a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o Atraso Tecnológico, de 1991, e a Comissão Especial Mista do Desequilíbrio Regional, de 1992.
Pela sua importância e atualidade, não se limita a ação do Legislativo a contribuições eventuais e esporádicas sobre esses temas. Antes, cabe a atenção continuada, enriquecida por uma assessoria especializada. No intuito de ver aperfeiçoado o desempenho da Comissão Permanente de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, da Câmara de Deputados, propus, no começo do ano, o seu desdobramento.
Passariam a existir: uma comissão permanente dedicada exclusivamente aos assuntos de ciência e tecnologia e outra que se ocuparia dos temas de comunicação social. Mais ainda, prevê o Regimento Interno da Câmara dos Deputados a implantação de um Conselho de Altos Estudos e de Avaliação Tecnológica. Quando instalado, parte da atuação desse Conselho será análoga ao do Office of Technological Assessment do Congresso dos EUA, que tem prestado imensos serviços àquele país.
Os problemas do desenvolvimento técnico-científico, como causa e como efeito dos desequilíbrios regionais, hão de figurar com o maior destaque na agenda dos grandes debates nacionais.
A título de exemplo citarei alguns aspectos da discussão sobre o progresso técnico-científico a beneficiarem-se da participação do Legislativo: a indicação de prioridades entre as grandes áreas de pesquisa que merecem financiamento do Poder Público; a maior conscientização da nossa população e, em especial, da juventude, quanto à valorização da pesquisa como fator de melhoria da qualidade de vida; o maior envolvimento de empresas de porte médio e pequeno na incorporação de tecnologias modernas; a maior colaboração internacional na busca de novos caminhos para o enriquecimento coletivo e para a ampliação da oferta de empregos bem remunerados; a dinamização da economia local como compensação para eventuais perdas de postos de trabalho consequentes a inovações tecnológicas.
A ação da Câmara deverá assumir relevo muito especial, contudo, na elaboração e no monitoramento de um programa nacional de cooperação inter-regional para o progresso científico e tecnológico, envolvendo as áreas geográficas onde a modernização avançou mais e, de outro lado, aquelas onde deve acelerar-se o ritmo do desenvolvimento socioeconômico.

Texto Anterior: SUSPENSE; MASSA CINZENTA; A HORA DO SACRIFÍCIO
Próximo Texto: A prisão dos sem-terra
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.