São Paulo, sexta-feira, 3 de novembro de 1995
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O futuro do BNDES

MAILSON DA NÓBREGA

O BNDES trocará de comando na próxima semana. Será uma ocasião para refletir sobre uma das poucas estatais não-candidatas à privatização. Sempre haverá lugar para sua atuação na economia brasileira. Nem aqui nem no resto do mundo se pode confiar exclusivamente no mercado para o financiamento de certas atividades, como, por exemplo, crédito à exportação.
O BNDES tem uma marcante habilidade para adaptar-se às mutações da realidade nacional. É o que tem demonstrado ao longo das quatro décadas de sua história.
Nos anos 50 e 60, financiou áreas como as da energia elétrica e siderurgia, contribuindo para eliminar pontos de estrangulamento na economia.
Na década de 70, viabilizou a expansão da indústria de bens de capital e insumos básicos. Ao final dos anos 80, sua capacidade de antever tendências nos legou a visão da necessidade de integração competitiva do Brasil na economia mundial. A abertura teve outros estímulos, mas o do BNDES foi, sem dúvida, um dos principais.
Em 1982, fundiu três subsidiárias e constituiu a BNDESpar. Voltada para suprir capital de risco às empresas, a BNDESpar revelou a inegável percepção do banco sobre a chegada da era do mercado de capitais. Ajudou-o, ainda, a se preparar para liderar o processo de privatização das empresas estatais nos anos 90.
No limiar do segundo milênio, uma nova realidade se aproxima do Brasil e do BNDES: a crescente perda de participação do mercado de crédito bancário como fonte de financiamento. Nos EUA, esse novo mundo já está à vista há muito tempo. Hoje, o mercado de crédito americano representa menos de 20% do total. O mercado de capitais tomou a frente.
No Brasil, acontecerá o mesmo. As maiores empresas venderão diretamente tanto suas ações como os papéis de dívida: "commercial papers", debêntures e bônus. A securitização terá a vanguarda.
Com o Plano Real, o processo tende a se acelerar. Os principais espaços serão ocupados pelos investidores institucionais: os fundos de pensão, as seguradoras e as instituições financeiras especializadas na gestão de recursos de pessoas físicas e jurídicas.
O BNDES terá que se adaptar a essa transformação. A nova economia em formação, a dimensão dos futuros projetos de investimento e a diversificação das fontes de financiamento lhe exigirão atuar diferentemente.
Será maior sua participação no financiamento do comércio exterior. Precisará desenvolver instrumentos financeiros que lhe permitam captar recursos de longo prazo no mercado. Dependerá menos de dinheiro do governo.
O crescimento do mercado de capitais não diminuirá seu papel no desenvolvimento. Mudará tão-somente sua maneira de ser. Usará melhor seu conhecimento da economia brasileira e sua inegável capacidade de análise das empresas. A exemplo da International Finance Corporation, órgão do Banco Mundial, o BNDES liderará a colocação de papéis no mercado. A parceria com instituições privadas alavancará seu poderio como financiador de longo prazo.
O Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento é outro exemplo a mirar. Criado para ajudar os países do Leste Europeu na transição para a economia de mercado, organizou-se de forma distinta da do Banco Mundial. Este se especializou em crédito ao setor público. Aquele atua como catalisador de recursos do mercado de capitais para estimular o desenvolvimento do setor privado.
O novo presidente do banco é um profissional do mercado de capitais. Deverá contribuir com sua experiência de banqueiro de investimento para consolidar a percepção da nova realidade. Não terá muitas dificuldades, pois a mudança cultural tende a se operar com relativa facilidade. Dada a história do banco, não haverá as resistências observadas em outros bancos do governo.
Outras instituições financeiras oficiais interpretaram os novos tempos à luz de teorias conspiratórias e não como um desafio: adaptar-se velozmente diante da exaustão de modelos operacionais e financeiros do passado.
O BNDES tenderá a ver as mudanças como uma nova oportunidade de continuar justificando sua existência. Mais uma vez, tem tudo para continuar dando certo.

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