São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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receitas de alegria

MÁRIO VITOR SANTOS

Se a infelicidade brasileira existe, é por pouco tempo
Uma pesquisa do Instituto Gallup em 18 países apurou que os islandeses formam a população mais alegre. Chega a 82% a parcela dos habitantes daquele país que se considera feliz da vida. Americanos ocupam o quinto lugar na escala da felicidade, com 72%.
Os mais insatisfeitos são húngaros e mexicanos, povos em que o número de infelizes ultrapassa em muito o dos contentes. O Japão tem eficiência educacional e disciplina, mas só 42% de índice de felicidade.
A população da Islândia é de 266.786 pessoas. No inverno, o país tem apenas de três a quatro horas de luz solar por dia. É uma ilha varrida pelo vento e assolada pela neve.
Esse lugar tem uma das maiores rendas per capita do mundo: US$ 26.400 (os EUA têm US$ 25.617) e desconhece o analfabetismo desde o último ano do século 18. Lá, é fácil falar com o presidente. Em março passado, a inflação na Islândia foi de -0,2%, ou seja, houve deflação.
Só recentemente a Islândia passou a ter televisão diária, durante três horas -ainda que no verão passado (corresponde ao inverno brasileiro) as emissões tenham sido interrompidas por um mês, para que os funcionários da TV gozassem férias.
A cantora Bjork, talvez a cidadã islandesa mais famosa, considera que a literatura está para os seus compatriotas como a TV para os americanos. Reivindica para o país a condição de inventor do rap, pois lá todos memorizam as histórias dos vikings por meio da repetição musicada de suas sagas.
No verão, trabalhadores se embebedam, cantam em voz alta e dormem pelas ruas. Cerca de um terço dos bebês islandeses nascem de mães solteiras. É comum a incorporação harmoniosa dos filhos gerados fora do casamento a núcleos familiares principais, por assim dizer.
Uns 300 anos antes da Inglaterra, mais ou menos na época em que seus navegadores iam e vinham para o continente norte-americano, a Islândia fundou seu Parlamento, o que deve ter relação com o fato de o país ter a maior concentração relativa de advogados. Há 38,6 deles para cada 10 mil habitantes, contra 31,6 nos EUA e 27,7 no Estado de São Paulo. A média mundial é de 5,3.
Um dos hábitos mais apreciados pelos jovens islandeses é o de sair em viagem pelo mundo no início da idade madura. O outro é o estudo de suas sagas do século 12, que eles consideram uma espécie de "eixo" nacional mantido ali ao lado do Círculo Polar Ártico. Essa volta para "dentro", porém, ocorre em paralelo à ânsia de descobrir o que existe além do horizonte.
Nós aqui ganhamos dos islandeses em população, analfabetismo e infelicidade. Em termos de infelicidade, embora a pesquisa não tenha medido a dos brasileiros, se ela existe, é por pouco tempo.
Conglomerados investem US$ 1 bilhão em dez superparques de diversão em lugares tão diversos como Xerem (Rio), Caucaia (Ceará) ou Valinhos (São Paulo). São os chamados parques temáticos. Agora, ninguém mais terá que ir a Orlando ou Los Angeles para encontrar diversão. O país recordista em minutagem televisiva não poderia deixar de ser também um dos líderes em felicidade. Se o samba já não diverte tanto, que venha a montanha-russa.

Mario Vitor Santos é editor da Revista da Folha.

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