São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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Presos arrumam namoro por carta

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 2.000 cartas chegam todos os dias ao número 2.630 da avenida Cruzeiro do Sul, zona norte de São Paulo. O endereço é o da Casa de Detenção de São Paulo, um dos maiores presídios do mundo. São 6.300 presos.
Pelo menos 200 dessas cartas chegam decoradas com flores nas bordas ou contornos de beijos. Falam de amor, de sexo e traçam planos para o futuro.
São cartas de mulheres apaixonadas pelos presos. Muitas delas nunca viram o "namorado". Outras já ganharam carteirinha de "visita íntima". O documento dá direito a ir à cela do preso para fazer amor, uma vez por semana.
O namoro começa por meio de endereços divulgados por mulheres em revistas ou em programas de rádio que os presos escutam.
Nas primeiras cartas, alguns trocam, no endereço, pavilhão por bloco e cela por apartamento. Só depois dizem que estão na cadeia.
Getúlio S., 28, preso no pavilhão 5 por assalto, já conseguiu tantas namoradas por correspondência que repassa aos colegas.
Foi assim que Roberto B., 27, preso há dois anos por assaltos e condenado a dez, conheceu Luciana de Souza. Na última carta, ela mandou foto e prometeu visitá-lo no sábado.
"O homem deve se analisar pelos seus pensamentos e sua expectativa no futuro, nunca pelo seu passado", escreveu Luciana. É a segunda namorada que Roberto consegue por correspondência.
"Muitas dessas mulheres são movidas pela vontade de ajudar", diz Manoel Schechtmann, médico que há 35 anos trabalha no sistema penitenciário. "Mas há aquelas atraídas pelo amor bandido, pelo amor de risco."
O travesti Gardênia -Francisco Claudio de Queiroz, 46- diz ter um amor assim. Um advogado escreveu para um programa de rádio dizendo que queria um homossexual assumido. "É um amor louco que já dura quatro anos."
Antes de chegar aos presos, todas as cartas são abertas. São tantas que cada pavilhão tem seu próprio carteiro, um preso de confiança. "A entrega das cartas é a hora mais esperada no presídio", diz Valdemar Gonçalves, 48, funcionário da Detenção.
Escrever e receber cartas é quase uma obsessão para o preso. José Carlos Pires de Toledo, 36, se corresponde há 15 anos com Maria Angela Souza Toledo. Há três anos, eles se casaram na cadeia.

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