São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 1995
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Denise Fraga faz o melodrama de bom gosto

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Denise Fraga, como os mais geniais dos comediantes, tem algo de abertamente trágico. Algo de triste, de solitário, de quebradiço, como acontece também, para quem vai ao teatro em São Paulo, com Pedro Cardoso.
É uma extrema sensibilidade para o que há de mais popular ou mais oprimido, também um extremo carinho ou empatia, que faz com que a atriz ou o ator como que fale a cada um no público, por sobre a trama, por sobre os demais personagens, o que for.
Denise Fraga continua assim, em "A Quarta Estação".
A empatia, a proximidade é tamanha que não há como não se deixar levar. E mais uma vez, como antes em "Trair e Coçar", por seis, sete anos, tudo acontece por sobre o texto e o que for.
Mas "A Quarta Estação" é um melodrama. Mostra o que seriam -mas acabam por não ser, daí o melodrama- os últimos meses da vida de um professor de música, feito pelo venerando Juca de Oliveira, apoiado pela nova empregada.
Uma empregada que se descobre uma ex-aluna que precisou parar os estudos por força de uma nota baixa em música -e agora parte para a vingança.
É ainda pior do que soa. Não faltam golpes de teatro, não faltam cenas de dramalhão, obrigando Denise Fraga a esforços monumentais para arrancar uma lágrima do nada, em meio à mais descabida inverossimilhança.
"A Quarta Estação" não foi a melhor opção para levar ao claro a face tragicômica, a face chapliniana de Denise Fraga.
O melodrama do espetáculo é de um gênero que reflete bem a influência da novela, da telenovela no palco. É o veículo por excelência para dar um passo fora da comédia de costumes, sem arriscar demais.
Em suma, um veículo para nomes de certa fama na televisão e, sobretudo, para públicos de educação sentimental alcançada diante da televisão, às oito.
Denise Fraga, apesar da fama recente, não é atriz de novela, porque a câmera não consegue registrar sequer uma fração de seu estranho e por vezes hilariante desempenho físico, gestual.
É uma atriz de teatro, uma das jovens primeiras atrizes do teatro brasileiro. Pode fazer o que quiser. Por exemplo, "Esperando Godot", como fez Cacilda Becker -e como já fez, em tempos de maior risco, a própria Denise Fraga, na curta temporada vista por saudosos privilegiados.
Pode fazer o que quiser, mas está fazendo "A Quarta Estação", um melodrama de "música e bom gosto", segundo a produção. Música e bom gosto.
Denise Fraga não é atriz de bom gosto, no entendimento que se dá, de bom gosto médio, medíocre. Basta ver a estrela em cena para saber que não é o caso.
O andar já causa estranhamento, desleixado e sensual, como de uma adolescente de pernas longas e sapatos pesados. Também as mãos são longilíneas -expressivas como as de Denise Stoklos.
Todo o corpo. O rosto é de lábios largos, que se achatam e parecem ter sido pintados sobre a pele sempre que Denise Fraga sorri, formando com o nariz a face perfeita de uma comediante.
Também uma face em que os olhos, que brilham o tempo inteiro, parecem estar sempre entristecidos, com um subtexto inatingível, estranho.
Um subtexto que se choca, que contradiz e enriquece as estripulias juvenis da atriz, seja qual for a personagem.
Não é difícil ver o que fascina em Denise Fraga. Mas ela enfrenta agora o melodrama de bom gosto. Vai ser mais difícil de transformar do que "Trair e Coçar".

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