São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 1995 |
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"O Convento" afirma Manoel de Oliveira como mestre do tempo
INÁCIO ARAUJO
Filme: O Convento Produção: Portugal, 1995 Direção: Manoel de Oliveira Elenco: Catherine Deneuve, John Malkovich, Luís Miguel Cintra Onde: Arouche B e Cinearte 2 Dois fatores têm impedido a difusão da obra de Manoel de Oliveira no Brasil. O primeiro, a língua, "O Convento" contorna. Filme internacional, com Catherine Deneuve e John Malkovich liderando o elenco, é quase todo falado em inglês, um pouco em francês, raramente em português. Para as duas primeiras, foram providenciadas legendas, o que ajuda a superar tanto a acústica normalmente pavorosa das salas brasileiras como a tendência dos portugueses a comer parte das palavras, ao falarem. O segundo problema são os tempos longos usados por Oliveira. Ao contrário da tendência dominante no cinema contemporâneo (americano, em especial), o mestre português não se apressa. Mesmo aqui, ao fazer sua versão pessoal do "Fausto" (baseado em Goethe). A história é a do homem que vende a alma ao demônio em troca do conhecimento. Oliveira não faz uma atualização da história. Sendo um mito, o Fausto existe em qualquer tempo. E pode encarnar no pesquisador Michael Padovic (Malkovich), que chega a um convento em Portugal, onde espera encontrar elementos que comprovem suas teorias. Junto vem a mulher, Hélène (Deneuve). É por ela que se interessa o sinistro guardião do local, Baltar (Luís Miguel Cintra). Temos então vários tempos superpostos: o presente, a Idade Média (em que se origina o convento), a Antiguidade grega (de Hélène, que a horas tantas transfigura-se em Helena de Tróia). Temos também várias camadas de significação. No início, quando Deneuve e Malkovich entram em cena, são apresentados como estrelas, antes de personagens. Em um segundo momento, entram na pele de Michael e Hélène. A seguir, veremos como essas identidades são provisórias. Oliveira nos coloca, assim, diante de uma realidade (a que o filme mostra), que se desdobra na história do Fausto. Mas é como se pedisse ao espectador para não ter certezas. Aquele que identificamos como o demônio não é bem o demônio, ou não o tempo todo. É também o humano (no que tem de demoníaco, aí estamos um pouco na seara de Santo Agostinho). Oliveira desloca o seu espectador, na medida em que move seus personagens. É como se o que restasse na tela fossem fantasmas. As provisórias crenças que adquirimos vendo o filme começam, em dado momento, a nos escapar. Nesse sentido, o trabalho com tempos lentos, calmos, mostra-se necessário. Tanto para o espectador criar identificações com a imagem, como para destruí-las. Em seguida, é preciso um tempo também para criar novas identificações. É um cinema complexo, não complicado. É a arte de um grande mestre do cinema contemporâneo. Longe, muito longe, do "fast-food" que compõe a maior parte da programação dos cinemas. Mas -por que não- muito divertido a partir do instante em que se aceitam seus parâmetros. Texto Anterior: Stallone vence duelo 'cabeça' em 'Assassinos' Próximo Texto: Cineasta passou 20 anos sem filmar Índice |
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